Chamavam-lhe o ponta-de-lança-sem-golos. Parecia que havia algo nele que os afugentava. Talvez aquele seu jeito estranho, um tudo nada trapalhão. Houve outros antes dele na selecção nacional. Do mesmo género, sob as mesmas críticas. Assim de repente? Edinho. Makukula. Qualquer deles poderia ter sido Éder naquela noite de Saint-Denis, Cidade-Luz. Mas os holofotes escolheram Eder.
Diz que é Eder, sem acento. Deve ter razão, o nome é dele. Sem acento mas com vénia. Nasceu em Bissau e não se recorda. Veio para a Metrópole (ainda se pode escrever Metrópole?) aos 3 anos. Ficou. Já cá está há mais de vinte e cinco. Hoje, toda a gente o trata com o carinho especial que se dedica aos seus, aos da família. Eder passou a ser um parente de todos os portugueses, assim muito lá de casa como diria o João Bénard da Costa. Alguém que gostaríamos de apresentar às avózinhas que cerzem meias com um ovo de madeira.
Aquele prolongamento de Paris foi o seu palco para a vida. Nunca maisninguém que fale português se esquecerá – e os que falam francês esquecerão apenas «esprit de porc», como se costuma dizer lá no Hexágono. Houve aquele minuto irrepetível: receber a bola e virar-se para a baliza – há uma imagem fantástica na qual se ouve alguém gritar no meio da multidão «Chuta C…!!!» – e ele esperou apenas mais um segundo, segundo e meio. O tempo suficiente para que o defesa deixasse de lhe fazer sombra. Depois a bola partiu, rasteira, enviesada, venenosa como uma cascavél que se escondesse num arbusto. Matou a França! Junto ao poste direito dos franceses, ali pertinho do coração, entre a terceira e a quarta costela. Eder, sem acento, passou a ser o Eder-de-todos-nós. Vencedor das desgraças, dos azares e das má-sinas, destruidor das vitórias morais com a mais moralizadora de todas as vitórias. Pode ter deixado de ser ponta-de-lança-sem-golos para ser o ponta-de-lança-de-um-golo-só. mas que golo! O golo que valerá por todos os outros que continuará a marcar. O golo que valerá por todos os outros que falhar.
O golo-da-vida!