Isso mesmo é reconhecido no voto de pesar escrito pelo presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, que reuniu o apoio da mesa da Assembleia (onde o PCP não está representado) e que será hoje votado na cerimónia evocativa que decorre no Parlamento com a presença da família do antigo Presidente da República.
"Todos estiveram alguma vez ao lado dele e contra ele. Ao mesmo tempo, todos lhe reconhecem a lealdade com os adversários e a tolerância com a diferença", realça Eduardo Ferro Rodrigues, no voto de pesar que leu no início da sessão evocativa no Parlamento.
Ferro Rodrigues assume assim, no voto de pesar parlamentar, que não sendo consensual em todo o seu percurso Mário Soares conquistou o reconhecimento de todos, sendo o primeiro a defender o direito dos outros a discordar de si.
"Era laico, republicano e laico e ao mesmo tempo presidiu à Comissão de Liberdade Religiosa, porque sempre entendeu o pluralismo como um valor maior", apontou Ferro Rodrigues, admitindo que nem os grandes homens estão isentos do erro.
"Cometeu erros, certamente, mas sempre entendeu a política partidária como um atividade apaixonante, feita de vitórias mas também de derrotas, assente em escolhas claras e convicções fortes", frisou o presidente da Assembleia da República, recordando o feitio combativo de um político que nunca hesitou na defesa dos valores em que acreditava, mesmo quando isso lhe valir ficar isolado.
"Mas mesmo enquanto secretário-geral do PS não hesitou em ficar quase só para defender o seu pensamento sobre Portugal e sobre a democracia", diz o voto de pesar, que não refere nunca de forma explícita o 25 de Novembro e o papel de Soares na luta contra o comunismo no pós-25 de Abril.
O que o voto de pesar sublinha é o passado anti-fascista de Mário Soares, assim como seu papel na construção do "do país do mar, europeu e aberto ao mundo" em que se tornou Portugal depois do fim da ditadura de Salazar.
"Mário Soares tinha a intuição dos grandes políticos e a visão dos grandes estadistas", vincou Ferro Rodrigues, num voto de pesar que defende que se "hoje Portugal se distingue na Europa e no mundo pelo seu grau de coesão nacional, muito o deve ao contributo liderante de Mário Soares".
"O sentimento de perda é assim acompanhado por um sentimento de gratidão eterna", conclui o voto de pesar parlamentar.