Ricardo Vaz Té. “Fama? Não preciso. Redes sociais? São uma ilusão. Quando jogo, marco!”

A meio da década de 2000, só se falava nele. Era a “next big thing” do futebol português, o avançado do futuro que iria finalmente resolver a crónica escassez de soluções para a Seleção Nacional na posição de ponta de lança. 

Não foi assim que aconteceu – as lesões não deixaram. Hoje com 30 anos, Ricardo Vaz Té tem andado fora dos radares do mediatismo, mas tem algo muito mais importante: “paz de espírito” – palavras suas. E não só: tem também golos. Esta época leva 15 ao serviço do Akhisar, um modesto clube da Turquia. Já fez um hat trick, bisou duas vezes e há uma semana marcou quatro golos no mesmo jogo. Resposta aos críticos… ou nem tanto: as opiniões alheias não aquecem nem arrefecem, desde que possa jogar a ponta de lança. E ser feliz.

Voltou às bocas do mundo com os quatro golos frente ao Bursaspor. Foi o melhor jogo que fez na carreira?

Talvez, mas mais pelos golos. Estou muito feliz, não vou mentir. Estou ciente que foi na Taça, não foi no campeonato, mas a equipa precisava: se não ganhássemos esse jogo, estávamos fora. Foi mais importante por isso. Agora temos tudo para nos qualificarmos para a fase seguinte.

Quais as ambições do Akhisar na Taça?

É avançar o mais possível. Sabemos que os grandes ainda estão lá todos e sonhar com o troféu é muito difícil, temos de ser realistas: somos um clube pequeno e temos noção disso. Mas vamos ver até onde conseguimos chegar.

E porque não tem jogado mais no campeonato? Na Taça leva 12 golos em cinco jogos, mas no campeonato raramente é titular…

Isso é o que as pessoas aqui perguntam. Adeptos, até os meus colegas se questionam… Mas não sei responder. Nunca fui contra treinadores, eles é que tomam as decisões. Nunca fui de bater à porta de um treinador para perguntar porque não jogo. Vou ser sincero: estou muito contente porque, quando jogo, é a ponta de lança, ao contrário do que aconteceu em quase toda a minha carreira – joguei muitos anos a extremo. Por isso, não estou muito chateado. Embora esteja em muito melhor forma que o Rodallega, que é quem tem jogado no campeonato, e tenho a noção que merecia estar a jogar. No pouco que jogo, faço o meu trabalho, jogo com alegria e desfruto. Houve jogos em que entrei e mudei o jogo, na Taça marco golos e depois no jogo a seguir para o campeonato jogo dois minutos ou nem entro… Na Taça jogo sempre e o meu trabalho é visível para toda a gente. Só posso marcar golos quando jogo!

Mas porque não pergunta isso ao treinador?

Não sei o amanhã, também posso vir a ser treinador um dia. Eles tomam as suas decisões. Mas sei que o Akhisar é um clube pequeno, que não tem jogadores de grande qualidade. No Real Madrid, se o Ronaldo não resolve, há o Benzema, o Bale, até o Sergio Ramos… Nós não somos o Real Madrid, dependemos da forma dos jogadores. Se um está mal, o resto da equipa acaba por se ressentir…

O facto de ter números tão díspares na Taça e no campeonato pode ajudar a explicar a opção do treinador?

Quando comecei a marcar, a conversa era essa: “Ah, fez golos mas foi na Taça”. Ok, depois marquei ao Galatasaray; ao Osmanlispor, que está nos 16 avos de final da Liga Europa; ao Konyaspor, que também esteve na Liga Europa. Equipas fraquinhas, né? Mas eu deixo isso para as pessoas julgarem.

Tem andado um pouco longe da ribalta, mesmo em termos mediáticos. A que se deve isso?

Eu não ligo nada a redes sociais, não me importo com nada do que dizem de mim. As redes sociais são uma ilusão, uma distração. Gosto de viver sossegado, sou feliz assim. O que me satisfaz é ter ao meu redor a minha família e os meus amigos, que verdadeiramente gostam de mim. Vou dar um exemplo concreto: no meu prédio, quando cheguei era “Boa tarde, Vaz Té”. Depois de começar a marcar golos, passei a ser o “senhor Vaz Té”. Muitos vão nessa ilusão da fama. Eu já passei por muito, já sofri muito. Perdi vários anos de carreira por causa das lesões. Começa, pára, começa, pára. É horrível! Sofri muito na pele. As lesões atrasaram muita coisa na minha carreira. Mas também aprendi muito: se calhar, se não fossem todas essas lesões, hoje não tinha esta paz de espírito. Agora estou feliz. Tenho saúde, uma família feliz, uma filha linda, a crescer bem, e outra a caminho. E jogo a ponta de lança: estou feliz da vida.

Já frisou várias vezes a questão da posição onde tem jogado. Faz mesmo assim tanta diferença para si?

Cansei-me de jogar a extremo. As pessoas diziam que eu não marcava muitos golos, e eu respondo: “Então olha, vai lá tu fazer golos a jogar a extremo”. No Bolton joguei quase sempre a extremo, era muita correria, muita bola longa. E saí do West Ham por causa disso: ainda tinha seis meses de contrato, mas era obrigado a jogar a extremo e não estava feliz. Estava morto por jogar a ponta de lança, por isso implorei para sair.

E assim se deu a chegada pela primeira vez ao Akhisar, em janeiro de 2015…

Sim. Mas depois, mais uma situação… A minha mulher estava grávida nessa altura, quando cheguei aqui, e não sabia como ia ser, não tinha noção nenhuma de como me ia sentir. Então, quando fui a Inglaterra para ver a minha filha nascer… estragou tudo: já não queria voltar! Não a queria largar por nada, só queria ficar ao pé da minha família. Por isso, em julho tentei voltar a Inglaterra, ainda por cima depois de terem contratado o Rodallega – já estava a ver que não ia jogar a ponta de lança. O Hull City queria-me, o Sheffield Wednesday também, mas eu pus um valor na cabeça e por menos que isso não aceitava. Então, chegou a novembro, ainda estava sem clube, e acabei por assinar pelo Charlton. Fiquei muito feliz, mas depois o novo treinador desrespeitou-me ao primeiro dia e fui-me embora.

Essa foi a última experiência em Inglaterra, onde cumpriu grande parte da carreira. E ainda hoje é um jogador de culto para os adeptos do West Ham!

Tenho um carinho especial por eles e sei que eles também têm por mim. Foi um momento mágico que vivemos. Não tanto pela subida, porque isso naquela altura era normal para o West Ham, era um clube iô-iô, subia e descia. Foi o jogo em si que foi mágico. As expetativas estavam muito altas, toda a gente dizia que íamos dar 4, porque tinha sido assim no campeonato. Começámos bem, a vencer, mas entretanto o Blackpool empatou, pegou no jogo e nós só pensávamos: “Vamos perder! E vamos ver isto adiado mais um ano.” E o Championship é difícil! Então, eu fiz o 2-1 e resolvo aquilo a dois minutos do fim!

Sabe explicar o que sentiu nesse momento?

Nem sei. É uma coisa que não dá para apagar da mente. Lembra-se do golo do Agüero que deu o título ao City [em 2011/12, aos 90’+5’]? Eu nem sou adepto do City e quase caí do sofá de alegria com aquele golo! Um verdadeiro adepto de futebol vibra com esses golos, com esses momentos. As pessoas lembram-se do 7-1 da Alemanha ao Brasil, mas quem se lembra dos golos? Agora, do golo do Gotze que deu o título, do golo do Iniesta que deu o título à Espanha em 2010… Do golo do Éder! A única pessoa que podia ganhar o Europeu para Portugal era o Éder! A França estava a rebentar com Portugal, e quando ele entrou tudo mudou. Naquela altura, a única fonte de socorro de Portugal era jogar longo e esperar que o ponta de lança segurasse. Então, aplausos para o Fernando Santos: o homem sabe o que faz. Agora vais ter de lembrar o Éder todos os dias. É como ver um combate de boxe: aquele tipo que está o combate todo a levar e depois de repente responde e faz o ko… Isso é que é apaixonante!

O Ricardo é adepto de algum clube em Portugal?

Tenho um fraquinho pelo FC Porto. Por causa do Jardel, que eu já seguia em criança, ainda em África. Mas tenho um irmão sportinguista… ui! E o resto da família é toda benfiquista.

Nasceu em Lisboa, mas entretanto deu várias voltas até chegar a Inglaterra…

Fui para a Guiné-Bissau ainda em criança. Depois aos 11 anos voltei a Portugal por causa da guerra civil. Voltei para Lisboa e entretanto fui para o Algarve viver com a família. Depois o meu irmão estava a jogar no Farense e eu fui para lá também. Sabe, as minhas lesões começaram aí. No menisco logo. Na primeira vez em que fui convocado, no dia do jogo tinha o joelho inchado e tive logo de ser operado.

Não sendo propriamente um produto da formação do Farense – só lá jogou uma época nos juniores -, é ainda lembrado com muito carinho pelos adeptos do histórico clube algarvio…

Os adeptos do Farense… Eles são assim, acompanham o clube para todo o lado e acarinham muito os jogadores. Eu adoro o hino do Farense. Quando estava lá, jogava nos juniores mas só pensava em jogar pelos seniores para entrar em campo e ouvir aquele hino. Sabe, na altura havia um acordo com o FC Porto para eu ir para lá se jogasse alguns jogos pela equipa principal do Farense.

E porque não foi?

Um olheiro do Bolton viu-me e lá fui com 16 anos para Inglaterra. Só aceitei ir por causa do Henry. Na minha cabeça, queria ir para o pé dele. Também adorava o Fenómeno, o Ronaldo. Os jovens de hoje são uns privilegiados, naquela altura não havia Youtube. Eu fazia truques sem ver em lado nenhum. Hoje em dia, qualquer coisa que queiras fazer, vais ao Youtube ou ao Google ver como se faz.

E dos jogadores com quem jogou, quais destaca?

O Okocha. Apanhei-o já na fase descendente, mas que jogador! Ele no PSG com o Ronaldinho Gaúcho, a estrela era o Okocha! O Djorkaeff também era um craque, que privilégio! Que classe. Parecia que deslizava no campo. Qualidade não tem idade. Olha o Zanetti, o Pirlo… O Hierro, que muitos conselhos me deu. O Diouf, que qualidade! O Fadiga era como se fosse um irmão mais velho. Eles viviam todos no mesmo aldeamento, e eu era o miúdo, então andava a saltar de casa em casa! O Ivan Campo era muito meu amigo, dava-me na cabeça todos os dias! Na altura eu achava “meu Deus, eu odeio esse gajo!” Mas hoje percebo que ele era quem me adorava mais, tudo aquilo era para o meu bem.

E treinadores? Quem o marcou mais?

O Sammy Lee, que era adjunto do Koeman no Southampton e foi adjunto do Sam Allardyce no Bolton. Ah, espere! Ponha antes o [José] Couceiro, um treinador top! Adoro-o, merece muito mais do que atingiu. Ele não consegue ser mau, é sempre amigo e impecável com os jogadores, e eles às vezes confundem isso, não sabem separar as coisas. É um homem muito honesto, merecia ter mais sucesso.

Durante algum tempo, foi visto como um dos jogadores mais excitantes do futebol nacional, presença fixa nas seleções…

Fiz todos os escalões, o percurso todo normal. Eu adorava jogar pela Seleção, encontrar lá os meus amigos…

E ainda sonha com a chegada à Seleção A?

Diga-me uma coisa: não gostou da história do Fonte? Que começou por baixo, chegou à Seleção com 31 anos e foi campeão europeu a jogar a titular? E o Pellè, da Itália? Eu tenho “n” exemplos. E depois ao contrário, o Renato Sanches, que com 18 anos foi importantíssimo em vários jogos. Hoje em dia não se pode subestimar ninguém. Por isso digo: se têm dúvidas, levem-me para o campo primeiro. Se querem tirar essa dúvida, se tenho ou não qualidade para ir lá, convoquem-me uma vez: amigáveis não faltam!

Mas o Ricardo acredita que tem essa qualidade?

Eu sei que tenho. Sempre tive. Desde que esteja “fit”… Eu joguei a alto nível, marquei golos a alto nível. Marquei na Premier League, marquei na Liga Europa, marquei em Europeus. Só não marquei na Champions porque nunca joguei lá. E a extremo, o que é ainda mais difícil. Por isso, se jogasse ao lado de jogadores de topo, claro que ia jogar ainda melhor. Mas pronto, mesmo quando tinha todos os argumentos, o senhor Paulo Bento não me quis abrir a porta [em 2011/12, quando marcou 24 golos no Championship, entre Barnsley e West Ham]. Mas eu só marco golos se jogar! Se não me derem uma oportunidade, não posso marcar…

Costuma falar-se da crónica ausência de pontas de lança na Seleção, mas agora há André Silva – além do Éder, claro!

O André Silva é muito bom jogador, forte, com drible, sabe movimentar-se, tem boa percepção do jogo, presença na área. Tem um grande futuro. E parece uma pessoa assente também, embora não o conheça.

E neste momento, está “fit”?

Estou. Esta é a minha segunda época com pré-época completa e sem lesões. Em toda a carreira! No West Ham subimos, estava numa forma fantástica… e desloquei o ombro. Quase três meses parado. Na segunda época, a mesma coisa mas no outro ombro… Em 2007/08, voltei a jogar em Alvalade, com o Sporting para a Taça UEFA, depois de uma paragem de muitos meses. E logo no início do jogo percebi que não dava, mas estava a jogar em Alvalade, a defrontar amigos de Seleção como o Djaló e outros e por isso quis continuar. Assim que acabou o jogo, fui operado outra vez. Depois estive praticamente mais dois anos parado…

Já passou por Inglaterra, Grécia, Escócia e Turquia na sua carreira. Onde gostou mais de estar?

Vivi dez anos em Inglaterra, lá estou em casa. Mas nos seis meses que estive na Grécia, em Atenas… eu fui à praia em outubro! Muito bom. A comida, o clima, a qualidade de vida… Também gosto muito da Dinamarca, que é o país da minha mulher. Quando fui lá a primeira vez, assim que saí do avião… senti-me em casa. Como se pertencesse ali. A malta é respeitadora, limpa, acolhedora… Mas acima de tudo, o que me importa é a minha felicidade e da minha família. Por exemplo, no Dubai é um paraíso, está sempre bom tempo, mas… não tens o importante, a base. O núcleo da felicidade para mim está na família. O dinheiro é necessidade, fama não preciso.

E na Turquia? Gosta de aí estar?

Sim, bastante. A cidade onde estou [Akhisar] é boa, tem tudo. Aceitam o turismo normal, a minha mulher pode andar na rua como em qualquer lado do Ocidente. É a cidade com mais mente aberta da Turquia, estamos bem. Vivemos a 200 metros da casa do Custódio, o clube é certinho no pagamento, não temos problemas nenhuns. E a comida é muito boa: especiarias, carne, peixe. De vez em quando vamos a um restaurante que se o Custódio pudesse, aterrava lá diretamente (risos)! Ele adora aquilo.

Tem contrato com o Akhisar até quando? Não há a possibilidade de partir para outro destino ainda neste mercado de inverno?

O meu contrato acaba em maio. No futebol nunca sabemos o dia de amanhã, não posso garantir que não saia, mas neste momento, como já disse anteriormente, estou feliz aqui, sinto-me bem, especialmente por jogar (quando jogo) a ponta de lança. Se saísse, tinha de ser com essa condição: jogar a ponta de lança.

E pondera voltar a Portugal um dia?

Jogar em Portugal é difícil porque a maioria dos clubes paga pouco. Mas se houvesse uma coisa positiva, claro que gostava de voltar ao meu país, é óbvio. Adoro o Algarve, Faro… o sossego. Lisboa já é muita confusão.