Enviuvados em Lisboa e divorciados no Porto, seria de esperar que o PSD e o CDS procurassem noivados mais felizes no restante matrimónio autárquico.
Esta quinta-feira, Pedro Passos Coelho recebeu os líderes das distritais sociais-democratas na sede nacional do partido, na São Caetano à Lapa. Jantaram e estiveram reunidos até à uma da manhã o secretário-geral José Matos Rosa, o líder parlamentar Luís Montenegro e o coordenador autárquico Carlos Carreiras, que continua a garantir que haverá mais coligações este ano do que em 2013.
Na reunião, bimensal e estatutariamente prevista, Passos terá demonstrado preocupação com «a desconfiança dos mercados» e com a subida recente das taxas de juro. Internamente, o ex-primeiro ministro, revelou ao SOL um dos presentes, afirmou que a atual solução governativa «já está esgotada» e que as eleições autárquicas demonstrarão tensões naturais entre o Partido Socialista e o PCP, que são rivais na arena do poder local.
A intervenção do líder foi breve, com cerca de oito minutos, seguindo-se Carlos Carreiras, que considerou as alianças para o plano autárquico como «muito bem encaminhadas».
No entanto, o cenário não é tão estável quanto o próprio afirma. Embora Carreiras insista na meta – mais de 92 alianças –, também se reserva até ao fim de março para a alcançar. E não é líquido que o consiga.
O acordo autárquico que os sociais-democratas assinaram com o CDS-PP há cerca de um mês tem negociações paradas e conversas em suspenso.
Cenário mudou
O ‘acordo-quadro’ visava coligações para todos os casos em que fosse «essa a vontade das estruturas locais», na busca de renovar as 19 vitórias em conjunto das últimas autárquicas, mas sucederam-se outras condicionantes.
Hoje, o cenário é diferente daquele que os dois partidos do centro-direita tinham pela frente quando assinaram o entendimento. Não se encontram a governar – exercício que muito cimentou a relação entre laranjas e centristas –, e há uma líder do CDS com ambições na cidade de maior relevância política do país, Lisboa. O presidente do PSD, por outro lado, comprometeu-se a ter mais Câmaras Municipais que o Partido Socialista, não podendo ter um resultado pior que o seu último.
Passos ainda não apresentou candidato à capital, mas já descartou apoiar Cristas, que foi sua ministra da Agricultura. «O PSD não deixará de apresentar candidato à capital», afirmou Passos há três semanas. O porta-voz de Cristas, João Gonçalves Pereira, reagiu dizendo que «o CDS respeita a posição expressa por Pedro Passos Coelho, mas mantém a mesma disponibilidade para entendimentos em Lisboa com o PSD».
Ao que o SOL apurou, Cristas terá reagido mal ao facto de o presidente do PSD descartar uma coligação de apoio em torno da sua candidatura sem avisar antes, mas esse apoio esteve sempre dependente de o CDS apoiar o mesmo candidato que o PSD no Porto; cenário que os centristas recusaram. Cristas não abdicou de apoiar o independente Rui Moreira, também apoiado pelo PS, e os sociais-democratas recusaram apoiá-la em Lisboa. Sobre a possibilidade de «a porta não estar fechada» trazida com as declarações de Gonçalves Pereira, um alto dirigente do PSD aponta que «sabemos todos que agora já é tarde».
Um dia depois, no entanto, a concelhia do PSD/Lisboa, liderada por Mauro Xavier, prosseguiu à margem da direção de Passos e endereçou um convite para reunir com Assunção Cristas.
Convite que, sabe o SOL, não foi consumado depois de ter vindo um aviso da São Caetano à Lapa: a reunião seria uma perda de tempo e só Passos Coelho está mandatado para decidir sobre Lisboa.
Cristas, depois de saber a posição de Passos sobre a reunião, não marcou presença.
Mauro Xavier havia já havia acusado o CDS de nunca ter desejado «a direita unida em Lisboa para ganhar a Câmara», sendo ele assumidamente contra acordos pré-eleitorais e tendo como vice-presidente Rodrigo Gonçalves, que polemicamente desafiou o próprio Passos a candidatar-se à Câmara Municipal da capital. Xavier, por sua vez, tinha tudo apostado no ‘sim’ de Santana Lopes – um ‘sim’ que, como é sabido, nunca chegou.
Problemas de maior
A desarmonia nas duas maiores cidades do país não é única. A trama em Lisboa e no Porto também alastrou. Fonte próxima do processo, que se reservou ao anonimato, disse ao SOL que «se perdeu iniciativa para as negociações» após a referida descoordenação.
Em Leiria, o PSD lançou Fernando Costa, que o CDS não apoia por distanciamento ideológico evidente. Em Coimbra, o PSD lançou Jaime Ramos, irmão da deputada social-democrata Fátima Ramos, que o CDS também não deve apoiar.
Em Sintra, o CDS recusou apoiar a candidatura escolhida pelo PSD. O independente Marco Almeida não forneceu uma proposta que, do ponto de vista dos centristas, garantisse um lugar elegível na vereação.
Em Aveiro, Cristas já proclamara o seu apoio ao atual presidente da Câmara, Ribau Esteves, do PSD, mas a estrutura local dos laranjas tardou em reunir consenso na renovação do apoio ao seu nomeado, o que causa impasse entre os partidos do centro-direita.
Em Meda, no Norte, também não há acordo à vista e sobre Loures e Odivelas ainda nem se falou. Na Lourinhã, as conversações romperam de todo.
Onde, excecionalmente, se conseguiu harmonia foi no município da Amadora, já havendo coligação acordada, que será apresentado ao público no início deste mês. Mas perante a restante turbulência, um membro do antigo governo PàF adverte: «Quando nos sentarmos à mesa depois das legislativas não poderá ser assim…».
E problemas de menor
Esta semana, a comissão política nacional do PSD lançou uma primeira leva de 46 nomes como candidatos às eleições autárquicas. Até março, os sociais-democratas revelarão todos os seus nomeados, mas esta reunião trouxe nova problemática.
Com o PSD a apoiar Marco Almeida, Passos Coelho levantou um constrangimento. O líder ficaria impossibilitado de fazer campanha no seu próprio concelho.
É que Marco Almeida terá António Capucho como candidato à Assembleia Municipal e Capucho foi expulso do partido precisamente durante a liderança, ainda vigente, de Passos, não fazendo sentido o presidente dos sociais-democratas caminhar ao lado de alguém que sempre divergiu da sua liderança.
Na já mencionada reunião da comissão política, Carreiras terá falado na necessidade de certos sacrifícios pelo partido em determinadas alturas, visto que ao apoiar Marco Almeida, a coordenação autárquica coloca-se ao lado do homem que foi contra o PSD em 2013.
Passos, por outro lado, terá falado em «amor próprio». Sendo residente em Massamá, a presença de António Capucho na campanha pelo mesmo concelho seria oposta, portanto, a esse tipo de amor.
O SOL sabe que no círculo de Marco Almeida foi imposto um silêncio no que toca a declarações públicas sobre isto, mas que há esperança que seja possível conciliar agendas, no sentido em que Passos Coelho esteja ao lado de Marco Almeida em dias que não coincidam com António Capucho.
Estatutariamente, o líder do partido pode sempre ter uma palavra sobre o candidato à presidência da câmara municipal – neste caso, Marco Almeida –, mas o único veto legal que poderia ser invocado contra a nomeação de António Capucho para a assembleia Municipal caberia ao presidente da distrital respetiva – Miguel Pinto Luz, que lidera os sociais-democratas do distrito de Lisboa e é próximo da direção de Passos. Esse veto não terá sido, até à data, ponderado.
Passos Coelho optou por manter o máximo resguardo em relação à situação em Sintra. «A ideia que o Marco Almeida tem de uma vitória certa não é muito realista, por isso ninguém quer dar-lhe possíveis desculpas para o caso de perder», aponta um parlamentar do PSD.
Assim como nos restantes processos autárquicos mais complexos, Passos delegou as responsabilidades na coordenação autárquica e nas estruturas locais, intervindo somente quando absolutamente necessário – caso de Lisboa, em que já fez convites e a concelhia nele deliberou a decisão final.
Desde o último congresso do partido que altos quadros do passismo como Teresa Morais, Luís Montenegro ou Hugo Soares garantem que o resultado autárquico não terá qualquer tipo de repercussão na liderança, e o modo como Passos se protege das eleições locais deste ano vai nessa linha. «Uma derrota do PSD nas autárquicas não pode nem deve traduzir-se na saída de Passos», disse Teresa Morais, logo depois do congresso que o reelegeu líder, no ano passado.