Os partidos que Cavaco preferia ter visto a governar em Bloco Central estão nervosos com a obra que o antigo Presidente da República vai lançar no dia 16 deste mês. PS e PSD andam mais do que curiosos sobre o que revela Aníbal Cavaco Silva nas suas memórias do tempo que passou no Palácio de Belém.
A obra, Quinta-feira e Outros Dias, conta com 592 páginas e, sabe o SOL, incide especialmente na relação do ex-Chefe de Estado com os três primeiros-ministros com que conviveu: José Sócrates, Pedro Passos Coelho e António Costa.
O assunto fez disparar algumas campainhas, em especial no Largo do Rato. É que, embora a relação com Sócrates tenha começado sorridentemente na chamada ‘cooperação estratégica’ entre Belém e São Bento, é do conhecimento geral que o executivo e a presidência não cessaram relações no melhor dos tons, havendo mais do que uma discórdia entre ambos.
Hoje, com a vulnerabilidade mediática de José Sócrates e o facto de vários ministros do Governo de António Costa também terem governado com o engenheiro, corre algum receio nas hostes socialistas que alguma revelação de Cavaco Silva possa visar o PS.
Um parlamentar da Assembleia da República aponta: «Ainda nenhum de nós conseguiu ter o livro, mas sabemos que é muito bruto com Sócrates e que não foi alterada uma vírgula ao texto depois do lançamento do livro do Fernando Lima [o ex-assessor de Cavaco que assinou recentemente memórias menos confortáveis]».
Numa breve nota retirada da contracapa de Quinta-feira e Outros Dias, Cavaco Silva clarifica que manteve até agora reservada «parte importante» da sua ação como Presidente da República com o objetivo de «defender o superior interesse nacional», tendo agora chegado a altura de «completar a prestação de contas aos portugueses».
Um «testemunho de componentes relevantes da minha magistratura que são, em larga medida, desconhecidos dos cidadãos», diz Cavaco Silva, que lançará o livro no Centro Cultural de Belém.
O título é uma referência evidente aos encontros semanais entre o Presidente da República e o primeiro-ministro, tradicionalmente realizados à quinta-feira de cada semana.
«Quando se olha para a presidência do professor Cavaco Silva, creio que o que sobressai é a sua leitura dos poderes presidenciais», aponta um veterano parlamentar do Partido Social Democrata. «Durante os seus dez anos no Palácio de Belém, essa leitura passou muito pela forma como o Presidente se relaciona com o primeiro-ministro; até porque ele próprio já tinha estado do outro lado da mesa de despacho», prossegue a mesma fonte, que se reservou ao anonimato. «Ele sabia que quem tem a verdadeira capacidade de mudar e decidir as coisas é o primeiro-ministro. E aí a relação não era do ponto de vista público, era sobretudo fazer vingar o seu ponto de vista».
Sobre a relativa ausência da vida pública desde que o seu sucessor, Marcelo Rebelo de Sousa, lhe sucedeu em Belém, a mesma fonte ouvida pelo SOL diz que «o silêncio deve manter-se, tirando exceções ocasionais».
O novo livro, conclui a mesmas fonte, «vai na tradição de prestar contas depois de prestar um serviço público: foi assim quando saiu do Ministério das Finanças, quando saiu de São Bento…».
Na São Caetano à Lapa, o grau de ansiedade em relação à obra é, ao que o SOL apurou, menor. Embora não tenham mantido grande relação quando Passos liderava a JSD e Cavaco era primeiro-ministro, o duo social-democrata cultivou melhor laço aquando do executivo passista.