O constitucionalista Vital Moreira é claro na afirmação de que não cabe ao Presidente da República manter ou não a confiança num ministro, pelo que a conclusão que Marcelo faz na nota que publicou não faz qualquer sentido à luz do que a Constituição define como sendo os poderes presidenciais.
Não cabe ao Presidente manter a confiança num ministro
“No meu entendimento, os ministros não carecem da confiança política do PR, nem este os pode demitir por sua iniciativa, sem prejuízo de poder suscitar a questão da permanência de um ministro perante o Primeiro-Ministro. Por isso, quando um ministro se sente na necessidade de colocar o seu lugar à disposição, fá-lo perante o PM, não perante o Presidente”, escreve Vital Moreira no seu blogue Causa Nostra.
Ora, na nota que fez publicar ontem à noite no site da Presidência da República Marcelo Rebelo de Sousa vai ao ponto de assumir que se encontrou com Mário Centeno e que apoia a sua manutenção no Governo.
Marcelo, que é professor de Direito Constitucional e sabe que é o primeiro-ministro o único que responde perante o Presidente em nome do Governo, tem apenas o cuidado de afirmar que a iniciativa do encontro partiu de António Costa – uma versão diferente da que tem sido divulgada nas notícias, segundo as quais teria sido Rebelo de Sousa a chamar o ministro das Finanças a Belém ontem à hora de almoço antes da conferência de imprensa feira pelo governante ao final da tarde.
Na nota, o Presidente deixa claro que “recebeu, a pedido do senhor primeiro-ministro, o senhor ministro das Finanças”.
‘O frenesi é contraproducente’, avisa Vital Moreira
De resto, o socialista não acha sequer bem vinda a aproximação excessiva do Presidente que parece neste caso aparecer em defesa do Governo. “Na suas funções de arbitragem e de supervisão do sistema político, o Presidente deve manter um adequado distanciamento tanto em relação ao Governo (que não depende do seu apoio nem da sua confiança política) como em relação à oposição (que não precisa de uma muleta em Belém), evitando tomar partido na natural contenda política entre um e outra, sem alinhar com o primeiro nem com a segunda”, nota o professor de Direito, que acha que estas atitudes de Marcelo Rebelo de Sousa podem a prazo desgastar a função presidencial, mesmo que agora Belém as justifique com a necessidade da defesa da estabilidade governativa.
“Ora, quanto mais o PR se envolve no debate político corrente mais riscos corre de debilitar a sua estatura institucional e de se comprometer politicamente num sentido ou noutro. O maior ativo constitucional da função presidencial é a autoridade e independência do cargo, acima da dialética Governo-oposição. Por mais gratificantes que sejam durante algum tempo, a banalização e o frenesim quotidianos da ação presidencial são contraproducentes a prazo”, escreve Vital Moreira.
É que se Marcelo Rebelo de Sousa começou por tentar evitar voltar a comentar o caso da Caixa – como o seu conselheiro Luís Marques Mendes tinha assumido preferir que o Presidente fizesse no seu espaço de comentário semanal – na nota publicada pela Presidência Marcelo regressa ao tema e tenta dar uma visão que arrume o assunto, assumindo a sua intervenção direta na gestão da polémica.
“O Presidente da República não é cotitular da função governativa, pelo que não deve imiscuir-se no exercício desta pelo Governo nem parecer como se fosse tutor ou arauto deste, como sucedeu algumas vezes”, frisa Vital Moreira.
O constitucionalista não é o único socialista a achar que neste caso Marcelo Rebelo de Sousa foi longe demais, mesmo que numa atitude de aparente apoio ao Governo de Costa.
Socialista diz que “o mundo não vive nem se esgota em boas intenções, com ou sem aspas”
“Não basta querer ser "presidente de todos os portugueses" para ser um bom Presidente da República. É preciso saber e respeitar os poderes próprios e os poderes dos demais órgãos de soberania. É preciso não ter a tentação de compensar o excessivo activismo com a técnica de "uma no cravo, outra na ferradura"”, defende o dirigente do PS Porfírio Silva, num post no Facebook que vai ao encontro da crítica à intervenção excessiva do Presidente no caso da Cornucópia e que ta,bem fez este deputado achar que Marcelo estava a ir longe demais.
Porfírio Silva faz também uma análise que pode ser lida como um reparo àquilo que alguns viram como um diminuir da autoridade de Mário Centeno ao justificar a sua manutenção no cargo de ministro das Finanças com “o estrito interesse nacional, em termos de estabilidade financeira”.
“E também é preciso evitar o método que se costuma chamar "atirar a pedra e esconder a mão". Até porque o mundo não vive nem se esgota em boas intenções, com ou sem aspas. Mesmo um Presidente tendo tudo para ser um bom Presidente pode falhar se não atender a estas minudências. Tudo isto, bem entendido, em teoria geral. Ou salvo erro de percepção da minha parte”, comenta o dirigente socialista.