Marcelo Rebelo de Sousa confessou ontem concordar com as vantagens de publicar estatísticas sobre a saída de capitais para offshores.
“Porquê? Porque, embora se saiba que isso pode fornecer aos próprios e a outros o conhecimento de como age o fisco, tem também uma vantagem de transparência, que é: o português que paga impostos e o português que tem a sua atividade financeira sobretudo concentrada em Portugal saber quem, nos termos legais, para pagar fornecimentos ou para fazer transferências de capital, acaba por transferir dinheiro para as offshores”, defendeu o Presidente da República que acha que os benefícios da publicitação superam os seus eventuais riscos.
“Nos pratos da balança é mais importante a transparência e o escrutínio público do que o risco de porventura com isso dar elementos àqueles que possam ficar a saber de mais e poder utilizar esse conhecimento”, frisou o Presidente ainda antes de saber que o ex-secretário de Estado Paulo Núncio tinha defendido exatamente o contrário numa audição no parlamento.
Marcelo Rebelo de Sousa tinha, aliás, começado por explicar aos jornalistas que não queria comentar os trabalhos que estavam a decorrer na Assembleia da República, acrescentando não ter acompanhado a audição de Núncio.
O ex-governante do CDS tinha, contudo, defendido um raciocínio oposto ao do Presidente. Paulo Núncio tinha assumido perante os deputados ter tomado a decisão de não publicar as estatíticas sobre transferências para paraísos fiscais entre 2011 e 2014 por ter “dúvidas” sobre as suas vantangens.
As dúvidas de Núncio
“Reconheço que essa publicação poderia ter sido realizada e que a decisão de não publicação poderá não ter sido a mais adequada”, acabou por admitir Núncio depois de explicar que as suas “dúvidas” se prendiam com a possibilidade de a divulgação dos dados “beneficiar o infrator” e com a “confusão” que podia gerar o facto de os dados incluirem operações sujeitas à cobrança de impostos e outras que não teriam de pagar qualquer imposto.
O entendimento de Paulo Núncio também esbarra com o de Fernando Rocha Andrade. O atual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais não só autorizou a publicação das estatísticas como defendeu ontem que foi precisamente o conhecimento desses dados que permitiu detetar a ausência de mais de 14 mil transferências do sistema informático do Fisco que, por não constarem dessa base de dados, não tinha sido alvo de qualquer “controlo inspetivo”.
Rocha Andrade diz que ainda é cedo para dizer se houve ou não perda de receita fiscal, mas admite que só agora a Autoridade Tributária poderá começar a analisar essas “transferências ocultas” e que isso provavelmente nunca aconteceria se não tivesse optado por publicar estatísticas.