"Eu acho que pode ser um caso de polícia", afirmou hoje Luís Marques Mendes no seu comentário semanal na SIC sobre os 10 mil milhões de euros que saíram do país para offshores entre 2011 e 2014 sem passar pelo crivo do Fisco.
Mendes acha que há muitas questões por esclarecer e não se mostra muito convencido com a tese de erro informático para explicar que os dados de 14.484 transferências não tenham passado do Portal das Finanças para o sistema central da Autoridade Tributária.
"Como é que o sistema informático resultou bem nas declarações de 2009 que foram publicadas em 2010 e houve erro informático nos anos seguintes?", questionou, ironizando com o facto de os computadores terem "as costas largas".
De resto, Mendes acha essencial perceber o papel do BES neste caso, nomeadamente para se entender se o grupo Espírito Santo teve acesso a informações sobre a resolução eminente do banco e as usou para agir por antecipação e fazer fugir dinheiro do país.
"O grosso da coluna, 14 [das 20 declarações ocultas] foram todas em 2014. O que é que é 2014? O ano do colapso do BES", frisou o comentador social-democrata, lembrando que mais de metade das 20 declarações que ficaram ocultas correspondem a dinheiro transferido pelo BES para paraísos fiscais.
"Se Maria Luís disser que não sabia passa um atestado de incompetência a si mesma"
Marques Mendes acha que as dúvidas que ainda há neste caso estão longe de ter sido esclarecidas pelo depoimento do ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio.
"Acho que [as declarações de Núncio] não foram nem credíveis nem convincentes", afirmou Mendes, que considera mesmo que a audição de Núncio na Comissão de Orçamento e Finanças "foi um depoimento penoso de ouvir".
"No espaço de duas semanas teve duas versões", vincou o comentador, lembrando que o centrista "começou por dizer que a culpa não era dele e depois assumiu a culpa".
"A explicação que [Paulo Núncio] dá para não publicar as estatísticas relativamente às offshores eu acho que não colhe", observou, defendendo que "ninguém acredita" no argumento de que Núncio não publicou estatísticas sobre transferência para offshores durante quatro anos por ter dúvidas sobre se a publicitação dessa informação poderia beneficiar o infrator.
"Nestas matérias o que beneficia o infrator é o secretismo, não é a transparência", aponta Mendes, que também não compra a tese de que a responsabilidade política é toda de Paulo Núncio.
"Também não acho que é credível aquela coisa de dizer 'fui eu que decidi, isto é tudo da minha responsabilidade, ninguém mais no Governo sabia'", declarou Luís Marques Mendes, que acha impensável que os ministros Vítor Gaspar e Maria Luis Albuquerque não estivessem a par do que fazia o seu secretário de Estado.
"Se Paulo Núncio fez aquilo sozinho, foi um duplo desastre. Desastre para ele e para o ministro ou para a ministra", argumentou, invocando a sua própria experiência governativa para afirmar ser impossível o que Núncio disse.
Marques Mendes acha que esta é "uma matéria em que politicamente o secretário de Estado não tem poderes" e que se Maria Luís for ao Parlamento dizer que não sabia de nada estará "a passar um atestado de incompetência a ela própria".
Já o atual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade, foi para Mendes "sólido, seguro e credível", pelo que a situação é politicamente mais difícil para a direita.
"É um incómodo manifesto para o PSD e CDS", afirma o ex-líder social-democrata, que acha que os líderes da direita se deviam ter demarcado desta situação.
"Fica muito a ideia de que o PSD e o CDS pactuam como as offshores e com quem quer fugir. Isto é um desprestígio das instituições e da classe política", concluiu, alertando para o perigo desta situação "que alimenta o populismo".