Pode estar a abrir-se um precedente importante: um tribunal de Espanha condenou uma mulher a um ano de prisão por escrever piadas de humor negro… no Twitter. Cassandra Vera, de 21 anos, foi acusada de "glorificação do terrorismo" por 13 mensagens publicadas na referida rede social entre 2013 e 2016 sobre o assassinato do político espanhol Luís Carrero Blanco em 1973 num atentado bombista da ETA, durante a fase final da ditadura, quando ocupava o cargo de primeiro-ministro. “Filme: Três metros sobre o céu/ Produção: Filmes ETA/ Director: Aragala [membro da organização terrorista ETA]/Protagonista: Carrero Blanco/Género: Viagem espacial”, é um dos exemplos referidos pelo tribunal do estilo de humor praticado pela estudante, que escreve sob o pseudónimo @kira_95.
Durante o julgamento, Cassandra Vera garantiu que o tom das mensagens era irónico – justificação "insuficiente", no entender das autoridades espanholas, pois as frases, acompanhadas frequentemente por imagens, “reforçavam um carácter de descrédito, gozo e escárnio a uma vítima de terrorismo”. Nem o facto do atentado já ter ocorrido há mais de 40 anos chegou para atenuar a pena. "A cicatriz do atentado persiste, mesmo que com menos intensidade, e as vítimas de terrorismo continuam a ser uma realidade inquestionável que merecem respeito e consideração, independentemente da altura”, pode ler-se no comunicado do tribunal sobre a decisão.
O tribunal acrescenta ainda que a acusada tinha conhecimento do grau de seriedade das suas ações, visto ter “uma educação universitária e um grau de conhecimento e perceção das coisas que torna impensável que ‘não saiba que o comportamento atribuído é criminalmente reprovável’”. Cita, ainda, outras publicações da acusada (como por exemplo “Se fazer piadas sobre Carrero Blanco é enaltecimento do terrorismo…”, a 23 de Abril de 2014) para mostrar que a mesma “sabia que existia reprovação criminal pela sua conduta, ou que pelo menos considerou a possibilidade.”
Um pormenor… que pode fazer diferença: algumas destas publicações foram feitas quando Cassandra Vera ainda era menor. Por essa razão, a estudante vai recorrer para o Tribunal Supremo de Justiça espanhol. "Não só me criaram precedentes, como me retiram o direito a uma formação e arruinaram o meu projecto de ser docente. Arruinaram-me a vida”, disparou… no Twitter. É, porém, pouco provável que Cassandra cumpra a pena na prisão, visto não ter antecedentes criminais e a mesma ser inferior a dois anos.
Luis Carrero Blanco foi assassinado enquanto seguia para a missa, sendo vitimado por uma detonação de explosivos que se encontravam na estrada. Em carta publicada no "El Pais", a neta do antigo político reagiu a toda a situação, considerando um exagero que Cassandra Vera seja penalizada criminalmente. “O que me preocupa é que um ato de extremo mau gosto e falta de sensibilidade seja considerado um crime. A sentença é aterradora, não só para a acusada, mas para todos nós que vivemos em democracia”, escreve Lucía Carrero Blanco.
Esta, recorde-se, não é a primeira vez que comentários humorísticos no Twitter estão sob alçada da Justiça espanhola. Em janeiro deste ano, o Tribunal Supremo de Espanha considerou o cantor César Lehmann (conhecido pelo nome artístico César Strawberry) culpado de “enaltecer o terrorismo” em vários tweets (curiosamente, um dos quais também se referia a Carrero Blanco): “Quantos deveriam seguir o voo de Carrero Blanco”, numa referência ao facto de o carro onde o político seguia ter sido projetado 20 metros para o ar. Entretanto, a Plataforma de Defesa da Liberdade de Expressão espanhola considerou esta decisão uma "violação total da liberdade de expressão". “A condenação a César Strawberry criou um precedente perigoso para a liberdade de expressão em Espanha”, escreveu a presidente Virginia Pérez Alonso em comunicado, aludindo depois ao caso de Cassandra: "É um aviso claro aos utilizadores da Internet: 'Se escreves tweets sobre coisas inconvenientes, arriscas-te a isto.'"