“Abomino a censura e sinto-me muito mal por não poder veicular toda a informação que temos, [mas] permanecer aqui é mais importante”, assim justificava aos seus superiores em Nova Iorque Louis P. Lochner, chefe da delegação de Berlim da Associated Press na Alemanha nazi, a não publicação de uma fotografia tirada por um dos repórteres da agência em Munique, imagem de um empresário judeu levado pelas autoridades com um cartaz antissemita ao pescoço. Era 1933, o ano em que o partido Nazi chegou ao poder e já princípio do que viria a ser o Holocausto. Dois anos depois, em 1935, a agência acatava as ordens do regime e expulsava todos os seus fotógrafos judeus – cinco deles emigrariam para os Estados Unidos e um sexto foi enviado para Viena onde, detido pela Gestapo, acabou por sobreviver para no pós-Guerra regressar à Alemanha de Leste, onde voltou a trabalhar como fotojornalista – no mesmo ano em que outras agências norte-americanas foram obrigadas a fechar as suas delegações por incumprimento dessa lei.
Pois Associated Press haveria de permanecer em Berlim até 1941, ano em que os Estados Unidos entraram na guerra, mas o preço a pagar foi alto: a cooperação com o regime de Hitler. Período obscuro da história da agência que no ano passado a investigadora alemã Harriet Scharnberg trouxe à luz do dia com a publicação de um artigo na revista académica “Studies in Contemporary History” que punha a nu o acordo feito entre Lochner e o regime. Em troca da permanência em território alemão – a AP tornou-se na única agência noticiosa ocidental a operar na Alemanha nazi – a agência comprometeu-se a não publicar qualquer material suscetível de “enfraquecer o Reich no exterior ou internamente”, além da obrigação de contratar os serviços de fotógrafos que trabalhavam para a secção de propaganda do partido Nazi.
Um ano depois, vem a própria Associated Press olhar para a História para contar a sua versão do que foram esses anos na Alemanha, num relatório de 163 páginas e cerca de 40 documentos, “Covering Tyranny. The AP and Nazi Germany: 1933-1945”, em que garante que operou com “a maior honestidade e independência possíveis” naquelas circunstâncias. “Foram anos de um extremo sofrimento e de crimes contra a humanidade, incluindo a ascensão do fascismo, os horrores do Holocausto e a carnificina da II Guerra Mundial, que testaram as organizações noticiosas, a ligação do mundo às frentes de batalha”, lê-se no relatório que a agência disponibiliza online, acompanhado de um alargado conjunto de documentos que incluem por exemplo parte da correspondência de Lochner, distinguido com um Pulitzer em 1939 pela cobertura dos desenvolvimentos na Alemanha nazi. Mas apesar de reconhecer que houve questões “tratadas de forma desadequada” – no assumido caso de manipulação flagrante de uma imagem ou a contratação de fotógrafos do regime – a agência garante que “tomou medidas para garantir a sua independência e fornecer informação factual e imparcial ao mundo, apesar da grande pressão da Alemanha Nazi”. E numa nota citada pelo New York Times, Sally Buzbe, vice-presidente e editora executiva da AP, lembra que “a cobertura noticiosa da AP de Berlim foi elogiada na época pelos seus clientes e pelo setor em geral e continua hoje a ser vista como um sucesso”.
Ao El País, John Daniszewski, vice-presidente da agência, conta que houve manifestamente “casos de autocensura” e que “no relatório se vê como Lochner tratava de conseguir as histórias ao mesmo tempo que tratava de não ser expulso do país”. O diário espanhol ouviu também um subeditor de internacional da AP jubilado e docente de jornalismo na Columbia University, Larry Heinzerling, que trabalhou no relatório agora divulgado, que explica que a partir de 1941, quando os EUA entraram na guerra, se conseguiu para que as fotos censuradas pudessem ser enviadas à AP, via Lisboa, para que em troca fossem enviadas fotografias dos Estados Unidos para distribuição nos meios alemães.
Apenas uma fotografia terá sido manipulada, segundo a AP no relatório que apresenta como novidade a correspondência de Lochner com Nova Iorque, mas as legendas eram alvo de censura e reescritas para publicação na imprensa alemã. Pelo menos 10 mil fotografias foram trocadas neste esquema, via Lisboa, depois através da Suécia. Já Schanberg, a autora do artigo publicado em 2016, sublinha que nenhuma informação contida neste relatório vai contra as conclusões do seu artigo de 2016. “Nenhum dos resultados apresentados no meu artigo aparece refutado, o que não quer dizer que a AP não faça uma análise distinta desses resultados”.