«Não é doutor. É João Soares». Há décadas que João Soares repete esta frase cada vez que o tratam por ‘dr.’. O país dos doutores irrita-o e só é capaz de chamar doutor a alguém que lhe apareça de bata branca. Esta entrevista foi feita entre a esplanada do Pão de Canela, na Praça das Flores, onde João Soares vai todos os dias, e a biblioteca da Assembleia da República. João Soares fala abertamente de como ser filho de Mário Soares o inibiu na sua vida política e como, ao contrário dos socialistas da sua geração, nunca foi candidato nem a presidente da junta até o pai ir para Belém. Esta entrevista passa dos anos 80 do século XX para julho de 2017, à velocidade do pensamento rápido de João Soares, que diz tudo o que tem a dizer sem gravitas. É por isso que não tem contas a ajustar com ninguém.
Num país em que ninguém se demite, por que se demitiu por causa de um post no Facebook?
Cada um é como é. Acho que é preciso de vez em quando mostrar desapego pelo poder. Não tem nada que ver com o gosto com que estava a exercer as funções que me foram confiadas. E, passe a presunção, com a avaliação positiva com que as estava a exercer. Senti que podia passar a constituir uma dificuldade e decidi demitir-me, de facto num país em que pouca gente se demite. Costumo dizer que tento honrar a tradição republicana do meu avô paterno, que foi ministro na 1.ª República durante seis meses, o que era uma verdadeira longevidade na altura! Como sou muito fiel à memória do meu avô paterno, não podia nunca ultrapassar o tempo de permanência no Governo do meu avô! Por respeito à memória do meu avô fiquei cinco mesitos mal medidos [risos].
Mas teve pena de sair….
Claro que sim, mas não é nenhum drama. Vivo bem com isso. Claro que gostava do que estava a fazer e até tenho a pretensão, sublinho mais uma vez, que estava a fazer bem. Mas estas coisas são como são. Vivemos numa sociedade de espectáculo hiper-mediatizada. Alguns dos dramas com que estamos confrontados neste momento têm a ver com isso. Não há tempo para refletir sobre coisa nenhuma, não há tempo para ter memória, mesmo das coisas mais próximas. Às vezes as coisas transformam-se numa bola de neve… O que aconteceu comigo é um bom exemplo disso.
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