O sindicalismo nacional é dominado pelo PCP – que tem a maioria na CGTP, a maior central sindical. Mas se a Autoeuropa não pode ser considerada uma pequena aldeia gaulesa – afinal, é a maior fábrica do país – resistiu sempre a um potencial invasor, ou seja, o império comunista no sindicalismo.
António Chora já era líder da Comissão de Trabalhadores da Autoeuropa antes de existir Bloco de Esquerda. Mas depois aderiu ao Bloco, foi seu dirigente até há muito pouco tempo, chegou a ser deputado, e só a sua reforma permitiu que, finalmente, o PCP possa ocupar na Autoeuropa o espaço de influência que tem junto dos trabalhadores de outros setores.
A guerra de poder em torno da Autoeuropa não começou com a ida de António Chora para a reforma. É muito anterior. Chora foi várias vezes criticado pelos comunistas pela alegada “complacência” que tinha perante a administração – nomeadamente quando foi preciso negociar o acordo que levou à suspensão do trabalho quando a produção diminuía. Várias vezes se irritou com as acusações de ser “colaborante” – que ainda ontem se voltaram a ouvir, depois de António Chora ter decidido partir a loiça, primeiro numa entrevista brutal ao “Jornal de Negócios” e depois a outros órgãos de comunicação social. Afirmou que se não se tivesse reformado “a greve teria sido desconvocada” e disse que a CGTP – cujos sindicalistas acusou de serem “populistas” – não tem condições para chegar a qualquer acordo que resolva este conflito. E disse mesmo que os trabalhadores da Autoeuropa estão a ser “instrumentalizados por pessoas que nunca viram na vida”.
O incómodo profundo António Chora entrou a matar, mas dificilmente qualquer outro dirigente bloquista pode fazer o mesmo. Aliás, ontem o Bloco de Esquerda não se pronunciou oficialmente sobre a greve da Autoeuropa, ao contrário do PCP que fez um comunicado moderadíssimo, sem atacar António Chora, que ainda tem o seu peso dentro da fábrica. Aliás, os comunistas integram a greve de ontem na luta “dos últimos anos”, evitando a ideia de que está a acontecer algo diferente.
“Os trabalhadores da Autoeuropa sempre defenderam os seus interesses, e em diversos processos de negociação verificados ao longo dos anos, recorreram a tomadas de posição e formas de luta que travaram ou fizeram recuar medidas que sentiam atingir os seus direitos”, diz o comunicado oficial.
A maioria dos dirigentes do Bloco de Esquerda revê-se na posição de António Chora, embora não provavelmente na sua forma. A questão é que não o pode dizer alto e bom som: a greve foi aprovada em plenário de trabalhadores e pô-la em causa é um ato politicamente devastador para o BE. “Viva a democracia operária”, resumiu Joana Mortágua, no seu artigo de ontem no i não deixando de lembrar que “durante décadas, a Autoeuropa foi apontada como exemplo de negociação e de entendimento entre a administração e os trabalhadores”.
“Reflexo da geringonça”, diz PSD. O PSD veio dizer, através de um texto de Maria Luís Albuquerque publicado na sua newletter diária, que “o conflito na Autoeuropa é mais um reflexo da geringonça e do preço que António Costa impõe ao país para ser primeiro-ministro sem ter sido eleito”. Segundo a ex-ministra das Finanças, Costa “permite à CGTP que se instale onde até hoje não tinha conseguido entrar”.