“A presente resolução congela a quantidade atual de crude providenciado à Coreia do Norte, ao proibir todos os países de fornecer crude adicional, para além daquele que a China fornece através do oleoduto Dandong-Sinuiju.” O excerto vem incluído na Resolução 2375 (2017) – intitulada “Reforço de sanções à Coreia do Norte” -, aprovada por unanimidade pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas no passado dia 11 de setembro, em resposta ao mais recente ensaio nuclear levado a cabo por Pyongyang, que envolveu uma bomba de hidrogénio. O seu fim é imperativo: somente a China pode continuar a alimentar energeticamente o regime de Kim Jong-un.
Descritas no próprio documento como as “mais fortes sanções alguma vez impostas à Coreia do Norte” – com uma privação de receitas calculada em cerca de 840 milhões de euros e que inclui, para além da limitação da importação de petróleo em bruto, a proibição de exportação coreana de produtos têxteis ou o corte de fundos destinados a salários de trabalhadores norte-coreanos no estrangeiro -, as novas punições apontam para uma redução em 30% do total de petróleo fornecido a Pyongyang, através de uma diminuição em 55% de todos os produtos petrolíferos refinados importados – como gasolina, gasóleo ou óleo combustível pesado -, equivalente a cerca de 2 milhões de barris por ano.
As restrições de acesso da Coreia do Norte ao precioso líquido, acordadas por todos os membros do Conselho de Segurança, constituem um duro golpe na economia e subsistência daquela peculiar experiência monárquico-comunista que insiste em continuar a desenvolver o seu programa nuclear e balístico, mas não é segredo para ninguém que os Estados Unidos pretendiam um embargo total das importações. A pretensão de Washington esbarrou, no entanto, na irredutibilidade da China – mas também da Federação Russa – em fechar a torneira do oleoduto chinês que liga Dandong a Sinuiju e que é responsável por 90% do fornecimento do crude à Coreia do Norte.
Mesmo estando a endurecer cada vez mais a sua postura em relação às provocações de Kim Jong-un, não faltam certamente razões a Pequim, na sua pele de principal aliado do solitário regime de Pyongyang e seu primordial provedor de petróleo em bruto, para negar a Donald Trump o asfixiamento das necessidades energéticas coreanas – à cabeça, o receio de uma vaga de refugiados norte-coreanos a atravessar as suas fronteiras ou o aumento da presença militar norte-americana na região, em caso de uma eventual implosão do regime de Kim.
A justificação chinesa baseou-se, no entanto, em argumentos de ordem técnica: uma vez “desligado”, o oleoduto corre o risco de sofrer danos irreparáveis que obrigariam a despesas de reparação incalculáveis e que “não podem ser ignorados”. “O crude transportado através do oleoduto Dandong-Sinuiju contém altas quantidades de cera. Se o fluxo de petróleo abrandar ou parar totalmente, o oleoduto fica bloqueado, seria dispendioso repará-lo. Em casos extremos, poderá até ficar danificado sem reparação”, explica ao “South China Morning Post” Liu Ming, um especialista em estudos relacionados com a Coreia do Norte da Academia de Ciências Sociais de Xangai.
A produtora e distribuidora de petróleo PetroChina aponta riscos semelhantes aos identificados por Ming. De acordo com os relatórios citados pelo jornal com sede em Hong Kong, a mistura entre poucas quantidades de enxofre e grandes quantidades de cera, típicas do crude que corre no oleoduto em causa, pode “solidificar facilmente (…) se o fluxo [de petróleo] abrandar até certo ponto”. A desobstrução do produto solidificado comportaria “uma enorme despesa” para os cofres estatais, aponta a empresa.
A justificação técnica de Pequim não convence, naturalmente, toda a gente. David von Hippel, do think tank norte-americano Nautilus Institute for Security and Sustainability, é um exemplo dessa desconfiança. “A China provavelmente excluiu este oleoduto [das novas sanções] pelas mesmas razões pelas quais insistiu em cláusulas humanitárias e económicas nas resoluções anteriores: para proteger os interesses comerciais chineses e para manter o fornecimento de petróleo à Coreia do Norte em níveis suficientes, que garantam que aquela sociedade não implode. [Tal cenário] resultaria num caos geopolítico (…) que a China receia”, aponta Von Hippel.
Também conhecido como “Oleoduto da Amizade” – um dos principais símbolos físicos da aliança entre Pequim e Pyongyang, inaugurado em 1975 -, o sistema de tubagens em causa tem cerca de 30 quilómetros de comprimento e liga a cidade fronteiriça chinesa de Dandong à localidade norte-coreana de Sinuiju, passando por baixo do rio Yalu. Por ele passam anualmente mais de 500 mil toneladas de crude, equivalentes a 3,6 milhões de barris, que são processados na refinaria de Ponghwa.
A sobrevivência dos setores militar, agrícola e dos transportes de toda a Coreia do Norte está, pois, umbilicalmente personificada no oleoduto Dandong-Sinuiju, pelo que o ato chinês de fechar a torneira traria certamente consequências inéditas para o conflito congelado naquela região do globo. Como em tantas outras equações no intrincado jogo coreano, também neste caso os riscos continuam a falar mais alto que os eventuais ganhos. O statu quo agradece.