A consonância entre Presidente da República e primeiro-ministro foi tal que usaram, com uma diferença de dez horas, a mesma palavra – “ilusão” – para se referirem ao mesmo assunto: reivindicações da função pública.
Depois de Marcelo ter dito que “é uma ilusão achar que é possível voltar ao ponto em que nos encontrávamos antes da crise – isso não há!”, António Costa, na Tunísia, repetiu a mesma ideia.
“A ilusão de que é possível tudo para todos, já não existe isso. Temos de negociar com bom senso, com responsabilidade, procurando responder às ansiedades das pessoas, mas com um princípio fundamental: Portugal não pode sacrificar tudo o que conseguiu do ponto de vista da estabilidade financeira porque isso, no futuro, colocaria em causa o que foi até agora conquistado”, disse o primeiro-ministro, citado pela agência Lusa.
Depois de Marcelo dizer que também é “ilusão” achar-se “que se pode olhar para os tempos pós-crise da mesma forma que se olhava antes, como se não tivesse havido crise”, o primeiro-ministro reforçou que “um princípio fundamental” do programa do governo é “a consolidação das finanças públicas, a eliminação do défice e a redução da dívida, para desonerar a economia e as finanças públicas portuguesas”.
Costa afirmou expressamente que o Estado não pode gastar tudo com os funcionários públicos: “Todos estes objetivos devem ser cumpridos para aumentar a capacidade de o país investir onde é necessário. Se queremos investir mais na qualidade da educação, na qualidade do sistema de saúde e nos serviços públicos, não podemos consumir todos os recursos disponíveis com quem trabalha no Estado”, disse.
O primeiro-ministro desfiou os sucessos do governo – “o maior crescimento económico desde o princípio do século, o menor défice desde o início da democracia, uma redução muito significativa da taxa de desemprego, com melhorias em simultâneo das condições de vida, e um nível de confiança recorde” – para insistir que é preciso “manter essa linha”: “É preciso responsabilidade para que haja irreversibilidade nos passos dados por este governo.”
O discurso de Costa esteve em linha com o do Presidente da República e também com o que Mário Centeno fez no parlamento, na última sexta-feira. “Temos de manter estes compromissos, não o fazer é colocar em causa o esforço dos portugueses. Não contem connosco para isso.”
Os discursos do Presidente da República e do ministro das Finanças foram alvo de uma crítica violenta da deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua. Em artigo publicado no “Jornal de Notícias”, significativamente intitulado “A ilusão mais perigosa”, Mortágua criticou Centeno por ter colocado “o ónus da crise no descontrolo orçamental do passado, o ónus da mudança política no descontentamento dos portugueses face ao incumprimento das metas do défice pela direita, e terminou dizendo – apesar de os trabalhadores da Administração Pública merecerem estes direitos – o país aprendeu da forma mais difícil nos últimos anos ‘que temos todos de saber merecer’”.
Para a deputada bloquista, “tanto o Presidente como o ministro das Finanças validam a retórica que justificou a austeridade imposta por PSD e CDS, com a inestimável ajuda da troika. Uma retórica que quis e, em certa medida, conseguiu transformar uma crise que, antes do mais, foi financeira, num suposto banquete de irresponsabilidade orçamental”. O i tentou contactar Mariana Mortágua até ao fecho desta edição, sem sucesso.