Mário Soares morreu há um ano. O coração do fundador da democracia aguentou 25 dias no Hospital da Cruz Vermelha, na maior parte do tempo nos cuidados intensivos. Internado desde 13 de dezembro, Soares viria a morrer a 7 de janeiro. Tinha chegado a registar “ligeiras melhorias”, conforme revelou o boletim clínico diário, mas a seguir ao Natal de 2016 entrou em coma profundo. Morreu um mês depois de ter completado 92 anos.
Este domingo, quando se assinala um ano sobre a morte de Mário Soares, é inaugurada uma exposição de fotografias sobre as exéquias fúnebres de Mário Soares, o primeiro funeral de Estado da democracia, no cemitério dos Prazeres, onde o antigo Presidente da República está sepultado, num jazigo de família, junto à mulher Maria Barroso. “A Cerimónia do Adeus” é o nome da exposição e foi organizada por José Manuel dos Santos, amigo íntimo de Soares e da família, assessor do ex-Presidente desde os tempos em que a sede oficial do PS era na rua da Emenda e agora presidente da Fundação EDP (ver entrevista nas páginas seguintes).
A homenagem, promovida pela Câmara Municipal de Lisboa, começa às 16 horas, no cemitério dos Prazeres. Presidente da República, Presidente da Assembleia da República e primeiro-ministro vão estar presentes.
O PS tem estado a promover sessões sobre Mário Soares desde 7 de dezembro, o dia em que o fundador, se fosse vivo, faria 93 anos. A próxima sessão decorre no Largo do Rato e tem como tema “A construção da democracia”. Os oradores são Freitas do Amaral, que foi adversário de Mário Soares nas eleições de 1986 e mais tarde ministro dos Negócios Estrangeiros do governo Sócrates; Manuel Alegre, o histórico socialista e amigo de sempre com quem Soares teve uma zanga histórica – mas a que se sucedeu uma reconciliação nos últimos anos de vida; e Carlos Brito, ex-líder parlamentar do PCP e figura da resistência comunista, que depois saiu do PCP e hoje é membro do movimento “Renovação Comunista”. Seguir-se-á, a 18 de janeiro, uma sessão sobre “A vocação europeia”, onde vão falar o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva e o antigo comissário europeu António Vitorino.
Há um ano, António Costa estava ausente em visita de Estado à Índia e não a interrompeu para vir ao funeral de Mário Soares. O ato não caiu bem entre alguns socialistas. Na entrevista que publicamos nesta edição, José Manuel dos Santos – que foi o representante da família na organização do funeral de Estado – diz que António Costa fez exatamente o que Mário Soares, numa circunstância idêntica, teria feito. E recorda como Mário Soares, já depois de ter recebido a notícia de que o filho João Soares estava às portas da morte depois do avião Cessna onde seguia ter-se despenhado na Jamba (Angola), em setembro de 1989, não desmarcou a visita de Estado à Bulgária que, como Presidente da República, iria iniciar no dia seguinte.
O cortejo fúnebre iniciou-se na rua onde Mário Soares viveu desde a adolescência – na época rua do Malpique, depois rebatizada rua João Soares, em homenagem ao pedagogo republicano pai de Mário Soares e fundador do Colégio Moderno. Soares começou por viver com os pais nas instalações do próprio colégio e há décadas que habitava a casa que tinha sido de seu pai, a primeira à direita quando se entra na rua pelo Campo Grande. Uma casa normal, só diferente das outras da classe média alta numa coisa: quadros e livros sem fim. O sótão tinha sido transformado numa biblioteca extraordinária, cuja organização nunca foi acabada.
O armão militar que transportou a urna de Mário Soares passou pelo Colégio Moderno e foi homenageado pelos alunos da casa que é hoje dirigida por Isabel Soares, a filha de Mário Soares, que faria o discurso mais comovente da cerimónia do adeus. Seguiu-se a Câmara Municipal de Lisboa e depois o Mosteiro dos Jerónimos – numa cerimónia não religiosa. Apesar de ter vários membros do clero como amigos, e de Maria Barroso se ter convertido desde o acidente de João Soares, Mário Soares nunca acreditou em Deus.
Nos Jerónimos, o lugar onde assinou a entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia em 1985 – já primeiro-ministro demissionário porque a chegada de Cavaco Silva a líder do PSD nesse ano acabaria com o Bloco Central – Soares teve as últimas homenagens. “Adeus querido pai”, disse João Soares. Pai de João e Isabel, pai do PS, pai da democracia. Há um ano foi um imenso adeus.