Os tempos mudam. Provavelmente, muitos leitores não saberão que o grande defensor da delimitação de mandato do cargo de procurador-geral da República foi o Partido Social Democrata, no tempo em que era liderado por Marcelo Rebelo de Sousa. E é por iniciativa do PSD – que na época reclamou amplamente os louros disso – que a revisão constitucional de 1997 estipulou seis anos para o mandato do PGR.
O PS fez questão de deixar em aberto a possibilidade de renovação, enquanto o PSD afirmava simpatizar com a proposta de deixar claro na Constituição que o mandato não seria renovável. Quando se debateu se devia ficar escrito na Constituição que o mandato “não seria renovável”, o PS, o CDS e o PCP votaram contra, mas o PSD absteve-se.
Luís Marques Guedes era a voz oficial do PSD na comissão de revisão constitucional e justificou assim a abstenção: o PSD “absteve-se não por estar totalmente contra este princípio da não renovação do mandato, mas a benefício do acordo com o PS onde esta questão da renovação foi colocada sobre a mesa no sentido de consagrar na Constituição aquela que era a reivindicação fundamental, desde há muito tempo, de largos setores democráticos da nossa sociedade, ou seja, a da garantia de temporalização de todos os altos cargos de órgãos constitucionais”.
Além da fixação do mandato de seis anos, a revisão constitucional de 1997 também instituiu que o Ministério Público “participava na execução da política criminal” definida pelo poder político.
Na época, o procurador-geral da República era José Narciso da Cunha Rodrigues, que esteve 16 anos no cargo, entre 1984 e o ano 2000. Na sua “História Política da Revisão Constitucional de 1997 e do Referendo à Regionalização”, Marcelo Rebelo de Sousa escreve: “Assistiu- -se, ao longo dos últimos anos, a uma crise grave da justiça portuguesa. (…) a magistratura emergente foi a do Ministério Público. A coroar esse exército de lutadores contra os males do sistema, existia uma face, um protagonista, que, por definição, faltava à magistratura judicial: o Procurador-Geral da República.”
Marcelo afirmava que “o PSD, embora não renuncie a essa valorização [do Ministério Público], com autonomia, entende que ela não justifica que se admita quer a visão do Ministério Público como entidade jurisdicional independente, a par dos juízes, quer a atribuição ao Ministério Público da definição da política criminal, quer a sua politização, com ou sem entendimentos com alguns meios de comunicação”.
Mais, segundo o atual Presidente da República: “A constitucionalização do segredo de justiça e a clarificação de quem faz as escolhas em política criminal cabiam neste terceiro caminho de querer um Ministério Público forte e prestigiado, mas não fiador da pureza do sistema político”.
Marcelo quer deixar claro, na sua “História Política da Revisão Constitucional”, que nada o move contra a figura do então procurador-geral Cunha Rodrigues: “Quanto à limitação do mandato do procurador-geral da República, paralela, de resto, à de todos os demais titulares de órgãos de nomeação política, ela não tinha nem tem nada de pessoal.”
À luz da sua “História”, confirma-se que a discordância que existiu entre Marcelo e o governo sobre o mandato da PGR teve mais a ver com a forma – o governo afirmou publicamente a sua posição sem consultar o PR – do que com a substância.