O cessar-fogo internacional não parou os combates nos arredores de Damasco e a pausa humanitária russa tão-pouco os interrompeu. Esta terça-feira, na primeira experiência das cinco horas de pausa diária nos ataques aos bairros rebeldes de Ghuta oriental, os rockets continuaram a cair e os caças não deixaram de bombardear. Mesmo entre as horas do pequeno-almoço e o início da tarde, período ao longo do qual o governo de Bashar al-Assad supostamente silenciaria as armas e daria algum alívio às 400 mil pessoas que na última semana foram atacadas com uma ferocidade raramente vista em sete anos de guerra.
O regime de Bashar al-Assad reduziu o número e a violência dos ataques. Essa, de resto, era a única boa notícia que saía esta terça das ruas esfareladas de Ghuta oriental, onde os grupos rebeldes registavam dois mortos até ao início da noite – número microscópico quando comparado às dezenas de pessoas que morriam todos os dias na semana passada. A pausa que não foi pausa também não resultou na ajuda humanitária prometida. Não houve feridos retirados do enclave cercado nem de lá saíram residentes dispostos a tomar os canais supostamente protegidos pelo governo. Em Ghuta não há fácil acesso a água potável, material médico ou comida, mas também não há fé em Assad.
“Nenhuma família abandonou o seu abrigo das bombas porque ninguém confia no regime ou nos russos”, contava esta terça ao “Guardian” o ativista Nour Adam, a partir dos bairros de Ghuta. Segundo afirmava, a situação apenas se alterou ligeiramente. “Só se reduziu o número de caças, mas os disparos de artilharia e os rockets continuam”, dizia. O contacto do “New York Times” transmitia uma impressão parecida. “Há menos disparos de artilharia, mas continuam”, descrevia Mohammad Adel, que informava também sobre confrontos armados nos mesmos corredores humanitários que supostamente serviriam para enviar ajuda e retirar civis.
Complô químico
As nuances da ofensiva nos arredores de Damasco eram esta terça encobertas pelas primeiras indicações oficiais de que o regime norte–coreano enviou a Assad, pelo menos até ao ano passado, material para a construção de armas químicas como as que o ditador sírio usou em 2014 contra os mesmos bairros de Ghuta oriental que, por estes dias, bombardeia violentamente. Pyongyang ajuda há muito o governo sírio na sua guerra civil e há muito que correm relatos de unidades norte-coreanas no terreno. Também circulam indicações de que o regime norte-coreano – admirador ideológico da revolução baathista síria – vem armando Damasco com armas químicas e balísticas. Um grupo de trabalho da ONU revela agora que há provas da última acusação.
Trata-se de uma dupla demonstração da impotência das Nações Unidas, que desde 2006 aumentam quase anualmente a dureza da montanha de sanções ao regime norte-coreano. O fracasso do cessar-fogo aprovado no fim de semana é o outro indício, que a entrada em cena, na segunda-feira, do Kremlin, com o seu programa de pausa parcial, só tornou mais nítido. Que ainda prossigam os ataques de Assad, aliás, não surpreende muitos. O Kremlin, afirma-se, quer acima de tudo mostrar-se como a grande potência na guerra e delapidar a já débil mão das Nações Unidas.
Assad e Putin nunca levaram a sério o cessar-fogo do fim de semana e provavelmente não seguirão à risca a nova pausa. Os seus termos parecem até fantasiosos. “É impossível fazer chegar uma coluna humanitária a algum lado em cinco horas”, queixava-se esta terça Robert Mardini, o responsável do Comité Internacional da Cruz Vermelha no Médio Oriente. “Temos muita experiência a transportar ajuda para lá das linhas da frente na Síria e sabemos que pode demorar um dia apenas para ultrapassar os checkpoints, mesmo estando tudo combinado entre todos os interessados. E depois ainda é preciso descarregar a mercadoria.”