A Assembleia da República vai discutir na sexta-feira um conjunto de propostas sobre a descontaminação da ilha Terceira. Em debate estão seis projetos de resolução apresentados pelo PSD, PS, CDS, Bloco de Esquerda, Os Verdes e PAN que recomendam ao Governo que inicie um processo de descontaminação e reparação dos danos ambientais provocados pela utilização da Base das Lajes por parte dos Estados Unidos. António Ventura, deputado do PSD eleito pelos Açores, quebrou o silêncio à volta do problema e espera que esta discussão resulte numa ação concreta do Governo nacional.
A descontaminação tem Estado em discussão entre os Governos regional e da República?
Em 2015 o Governo regional enviou para o Governo da República, na altura da responsabilidade do PSD/CDS, um plano de revitalização económica da ilha Terceira onde havia um eixo que diz que são precisos 100 milhões de euros durante 10 anos para descontaminar aquilo que os americanos, ao longo de vários anos, deixaram contaminado. Já que não se conseguia este dinheiro dos EUA – atenção que a primeira responsabilidade deve ser do poluidor -, e o próprio ministro dos Negócios Estrangeiros admitiu que não conseguia, o Orçamento de 2016 devia conter verba para essa descontaminação. Tinha zero cêntimos. Depois vamos ao Orçamento de 2017, também tinha zero cêntimos. Nesse Orçamento havia um artigo próprio que foi aprovado por unanimidade que dizia «o Governo executa o plano de revitalização económica da ilha Terceira». Ora se o Governo executa o plano de revitalização económica da ilha Terceira, implicitamente está a dizer que vai gastar dinheiro na descontaminação. Mas o Governo não executou o plano. Para o orçamento de 2018 o PSD, o CDS e o Bloco de Esquerda entregaram proposta dirigidas à descontaminação e foram as três chumbadas. O acordo da Base das Lajes é um acordo entre dois Estados soberanos e o sujeito jurídico é o Estado português. Portanto é o Executivo de Portugal que deve avançar com o dinheiro, de forma responsável, e não avançou. E ainda tem mais uma coisa: ao abrigo da Lei das Finanças Regionais há um artigo que diz que qualquer estrago ambiental feito por presença estrangeira na Região Autónoma dos Açores deve ser compensada pelo Estado português. Há um desleixo, uma negligência do Governo português.
A primeira vez que a contaminação da ilha foi apresentada foi em 2008, ou seja já passaram 10 anos.
Em 2008, Carlos César, presidente do Governo [regional na altura], disse que não havia contaminação apesar de haver relatórios norte-americanos a dizerem que existia. Houve, propositadamente, um silêncio dos governos para que o assunto não fosse falado. Foi em 2015 que o Governo regional identifica e quantifica, em termos de milhões e em termos temporais, o problema. Isso significa que, a partir do momento em que é quantificado, o Estado português tem de agir e não agiu. Porque o que queria o Governo da República é que não se falasse sobre o assunto. O silêncio aqui era muito a favor da não atuação e eu não iria compactuar com silêncios. Em 2016 o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) fez um estudo com o carimbo confidencial que me foi entregue. Eu, em consciência, achei que não pode haver estudos confidenciais nesta matéria da contaminação e divulguei o estudo. E foi por via de divulgar esse estudo que o PS apresentou uma resolução também a pedir a descontaminação total.
Existem declarações que relacionam a existência de cancros com a contaminação da ilha. Esses estudos estão comprovados?
Qualquer Estado deve prevenir e proteger a saúde das populações. Para mim só o facto de poder estar – e ninguém nega isto – é suficiente para o Estado responsavelmente atuar. Este é o valor que não deve cair no Estado que é a proteção e prevenção da saúde das populações. O ministro [dos Negócios Estrangeiros] disse na Rússia, em declarações públicas, que poderia existir um determinado tipo de cancro relacionado com a contaminação. Depois, no Parlamento, disse que os registos oncológicos não eram diferentes no concelho da Praia da Vitória ou da ilha Terceira de todo os Açores. As contradições estão aí, agora não sei [risos].
Acredita que até ao final da legislatura poderá vir a existir uma resposta o Governo da República às necessidades da Praia da Vitória?
Eu quero crer que sim. Depois de tanto trabalho que nós temos tido aqui e de tanta insistência e persistência – esse é o termo correto – sobre o tema e sobre uma problemática que não está a ser resolvida e dessa consciencialização pública, qualquer Governo responsável terá de atuar até ao fim da legislatura. Caso contrário – eu vou dizer e vou medir muito bem as palavras que vou dizer – se o Governo não atuar até ao fim da legislatura está a ser um Governo criminoso.