Para Marcelo Rebelo de Sousa, a descentralização de competências para as autarquias “já transitou em julgado”. Mas o homem que Rui Rio mandatou para negociar o dossiê com o governo acha que ainda é cedo para dar o assunto como fechado. “Sem haver um envelope financeiro definido, não transita em julgado”, diz ao i Álvaro Amaro.
Amaro reuniu-se com o ministro Eduardo Cabrita na segunda-feira e saiu de lá com a promessa de ver finalmente os números do governo sobre os dinheiros que serão transferidos do Estado para as autarquias a fim de suportar os custos da descentralização de competências, mas sem a garantia de uma data.
Na agenda das conversas entre PSD e governo ficou marcada já uma reunião sobre o assunto “nos princípios de abril”, mas Álvaro Amaro não sabe se nessa altura já terá as simulações que permitirão aos autarcas perceber até que ponto terão verbas que lhes permitam aceitar ficar com algumas das competências que hoje são da administração central.
Na semana passada, o presidente da Associação Nacional de Municípios, o socialista Manuel Machado, dizia em entrevista à Antena1 que os valores para o pacote financeiro da descentralização de competências estão “ainda em análise”.
Ao i, Álvaro Amaro diz que em jogo estão “muitos milhões”, mas admite que neste tema há mais dúvidas do que certezas e que é só a partir da análise dos números concretos que se poderá avançar. “Eu tenho de saber quanto custa ao Estado o Centro de Saúde da Guarda antes de saber se fico com a gestão ou não”, aponta o autarca.
Álvaro Amaro admite que “o governo tem feito trabalho” para avançar com o dossiê da descentralização, mas insiste na importância de se avançar com números “o mais rápido possível”.
Data-limite Junho é a data apontada como o limite para que a descentralização “transite em julgado”, para parafrasear a expressão que o Presidente da República usou ontem na cimeira que juntou o governo e os representantes das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto para discutir o assunto.
É nesse mês que governo e PSD esperam fazer aprovar na Assembleia da República a Lei-Quadro do Poder Local e a Lei das Finanças Locais. Mas é também essa a data-limite para fechar o próximo quadro de apoio comunitário, que será essencial para financiar a descentralização.
“Ou acontece até junho ou podemos ter de esperar mais sete ou dez anos pela descentralização”, comenta ao i o presidente da Câmara de Cascais, Carlos Carreiras, que saiu ontem da cimeira das áreas metropolitanas com a certeza de que há em António Costa uma “intenção boa e séria” nesta matéria, mas que “está na altura de começar a concretizar”.
A ideia de urgência é, de resto, partilhada pelo socialista que preside ao conselho metropolitano do Porto, Eduardo Vítor Rodrigues, que aproveitou o encontro de ontem em Sintra para defender que esta “será a última grande oportunidade” para avançar com a descentralização, tendo em conta o consenso alargado entre os autarcas dos vários partidos presentes (PS, PSD, PCP e CDS), mas também a intervenção do Presidente da República, que voltou a deixar clara a prioridade que dá ao tema.
PR pressiona “Parece-me pacífico haver, neste momento, a convergência, o entendimento, a aproximação, a disponibilidade da parte de todos para um passo tão importante”, afirmou o Presidente, para quem “esta é uma causa de todos” que deve mobilizar os agentes políticos na negociação do próximo quadro comunitário de apoio.
“Temos, pela frente, uns meses escassos que devemos aproveitar para pensar o Portugal 2021-2027 naquilo que não dependa das naturais e salutares divergências quanto à governação”, insistiu Marcelo, que quer uma reforma sem volta atrás: “O passo que for dado tem de ser irreversível. Não pode depois depender de vicissitudes conjunturais, dos governos que mudam, da situação económico-financeira.”
Da cimeira não saíram medidas concretas, mas a proposta da criação de grupos de trabalho setoriais entre as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e o governo. Os grupos de trabalho – que ainda terão de ser constituídos – vão debater a descentralização de competências na saúde, educação, habitação, transportes, património, ordenamento do território e ambiente.
Para já, os autarcas das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto põem à cabeça das prioridades as questões da mobilidade, voltando a debater, por exemplo, a criação de um passe único, embora ainda esteja por definir de que forma ele poderá ser financiado.
“Mobilidade e transportes são hoje, reconhecidamente, o calcanhar de Aquiles da competitividade e da sustentabilidade destes territórios”, sublinhou o presidente do conselho metropolitano da Área Metropolitana de Lisboa, Fernando Medina, na abertura da cimeira, onde assegurou que os autarcas estão “dispostos a assumir novas competências e novas responsabilidades” na gestão das empresas de transportes.
Ao i, Carlos Carreira admite que na maior parte das áreas identificadas como prioritárias para a descentralização ainda não há ideias muito concretas nem números que possam, para já, guiar as decisões políticas. Mas admite que a área dos transportes, apontada por Medina, é uma em que “será mais fácil saber do que estamos a falar em termos de custos."