O PSD não vai dar liberdade de voto aos seus deputados nas votações sobre as alterações ao regime da identidade de género. “É uma matéria que faz parte da matriz do partido. O PSD acredita na autodeterminação na identidade de género, por isso não fazia sentido dar liberdade de voto”, explica ao i uma fonte da bancada parlamentar social-democrata.
Os sociais-democratas vão, contudo, apresentar uma proposta que é descrita na bancada do PSD como “moderada”.
“É uma proposta de alteração que já representa uma evolução face ao regime anterior”, diz ao i a deputada Sandra Pereira, explicando que o PSD não abdica da obrigatoriedade de um “relatório clínico que ateste a disforia de género e que ateste também a formação genuína de vontade”.
O objetivo, esclarece Sandra Pereira, é deixar de tratar as questões de identidade de género como uma patologia, mas ao mesmo tempo regular o processo por forma a que fiquem afastadas as pessoas que eventualmente sofram de perturbações mentais e não de uma disforia de género.
Segundo a proposta de alteração que será objeto de uma votação indiciária hoje em comissão, o pedido de alteração de género “pode ser apresentado em qualquer conservatória do registo civil”.
Para ser considerado válido, o requerimento de alteração de sexo – do qual deve constar o número de identificação civil e o nome próprio pelo qual o requerente pretende vir a ser identificado – tem de ser acompanhado por um “relatório elaborado por equipa multidisciplinar de sexologia clínica, em estabelecimento de saúde público ou privado, nacional ou estrangeiro”.
No relatório, a equipa que acompanha a pessoa transexual que deseja mudar de identidade deve atestar “a disforia de género”, mas também comprovar “a ausência de condição psíquica que possa comprometer a expressão da vontade de forma livre e esclarecida”.
Evitar fraudes De resto, para o PSD, este atestado clínico é visto como essencial para evitar fraudes de pessoas que queiram mudar de identidade sem serem verdadeiramente transexuais. “Acreditamos que esta lei se destina a pessoas que genuinamente sofrem de disforias de género e querem mudar o registo de identidade por esse motivo. Mas a lei tem de acautelar eventuais fraudes. É essa também a função do legislador”, defende Sandra Pereira.
Ora, este relatório é precisamente o ponto principal que separa PSD de PS e BE. Isto, porque os sociais-democratas estão mesmo disponíveis para aprovar uma lei que permita a mudança de registo de género a menores de 16 anos.
A discussão sobre a idade a partir da qual um transexual pode mudar o seu género no registo civil não foi pacífica dentro da bancada social-democrata, mas a deputada Sandra Pereira defende que essa acaba por ser uma questão secundária face à prática clínica no tratamento destes casos.
“Os médicos já administram hormonas a adolescentes de 16 anos sempre que está em causa uma disforia de género. Ou seja, sempre que a pessoa se sente com um género que não é aquele com que nasceu fisicamente”, recorda a deputada do PSD, lembrando que são os médicos que defendem que “quanto mais cedo se administram os tratamentos hormonais, melhores os resultados”.
Apesar disso, é pouco provável que a proposta social-democrata venha a ser aprovada. “Não sentimos nenhuma abertura por parte da esquerda para discutir as nossas propostas de alteração”, lamenta Sandra Pereira.
ps dá liberdade Com o CDS contra todas as propostas e o PCP a abster-se, também não é certo que PS e BE consigam aprovar uma lei. Ambos apresentaram propostas que permitem a alteração da identidade sem relatórios médicos, embora a dos socialistas exija a autorização dos pais para menores com 16 anos e a do Bloco não.
É que o PS decidiu dar liberdade de voto aos seus deputados nesta matéria. “A regra no PS é a liberdade de voto. Só há disciplina em coisas como orçamentos, moções de censura e de confiança”, explica ao i João Paulo Correia, da direção da bancada socialista.
Tendo em conta que PS, BE, PEV e PAN somam 108 votos contra os 107 do PSD e do CDS, seria preciso que todos os socialistas votassem favoravelmente a sua proposta para que a lei fosse aprovada por apenas um voto.
Como não haverá disciplina de voto para a bancada parlamentar do PS, a votação é uma incógnita. A que se acrescenta uma eventual – embora não muito provável – alteração do sentido de voto dos comunistas, que tencionam abster-se, mas que não excluem mudar a votação na generalidade consoante a evolução que as propostas venham a fazer na discussão na especialidade que se inicia hoje.