O clima é de cortar à faca entre socialistas e bloquistas. E a culpa, desta vez, não é do défice, mas do caso das viagens dos deputados das ilhas. O PS viu no anúncio da demissão do deputado do BE Paulino Ascensão uma forma de atacar Carlos César. E, no BE, desconfiou-se de que as notícias sobre a já anunciada intenção de Ascensão sair do parlamento para a Madeira tinham origem no PS.
“Qual era a necessidade de o BE fazer aquele comunicado? Era para entalar quem?”, questionava ontem um socialista indignado com a forma como o Bloco de Esquerda lidou com o caso das viagens.
Paulino Ascensão foi – até agora – o único a retirar consequências do seu envolvimento no caso das viagens denunciado pelo “Expresso” no sábado. “Sendo um dos deputados visados, considero, após reflexão, que esta foi uma prática incorreta. Quero, por isso, apresentar o meu pedido de desculpa”, escreveu em comunicado, no qual adianta que vai “proceder à devolução da totalidade do valor do subsídio de mobilidade”.
Como não é possível entregar o dinheiro de volta ao Estado, o agora demissionário deputado bloquista explica que tudo o que recebeu a título de reembolso das viagens feitas “será entregue a instituições sociais da região da Madeira”, o círculo eleitoral pelo qual foi eleito.
No grupo parlamentar do PS, viu-se a atitude como uma forma de pôr Carlos César na berlinda. É que, depois deste anúncio, a posição do líder parlamentar socialista ficou mais frágil. César, que tinha começado por recusar responder ao “Expresso” sobre uma questão que considerava “pessoal”, acabou no domingo por divulgar uma nota considerando – ao contrário do bloquista – não ter cometido qualquer falta ética ou legal.
“Pela minha parte cumpro e sempre cumprirei a legislação e regulamentação em vigor. Neste caso, como em todos e ao longo de toda a minha vida”, escreveu Carlos César, que entrou em detalhes no comunicado enviado ao “Expresso”. “Saliente-se que os deputados, tendo em consideração a natureza ocupacional das suas funções, viajam em regra com tarifas flexíveis e com bagagem de porão, sendo que, muitas vezes, o valor, se não fossem residentes, seria superior à referida média dos 500 euros. As minhas duas últimas faturas que paguei, respeitantes a duas deslocações em classe económica, por exemplo, foram, respetivamente, de 573,82€ e 608,82€”, explicou.
Esta foi a tentativa de César de matar o assunto, mas o mea culpa público de Paulino Ascensão reacendeu a polémica e caiu muito mal no grupo parlamentar socialista.
Poucas horas depois, a SIC recordava que o deputado do Bloco tinha já prometido sair do parlamento para preparar as próximas regionais, caso fosse – como foi – eleito coordenador do BE Madeira.
Entre os bloquistas, não faltou quem estranhasse a coincidência, mas oficialmente o BE recusou fazer comentários, remetendo para uma entrevista dada por Paulino Ascensão a 7 de março ao “Diário de Notícias” da Madeira.
Nessa altura, o bloquista explicava que ia “amadurecer a ideia e avaliar o momento mais adequado” para voltar a tempo inteiro para a Madeira. “Poderá ser no verão ou após a aprovação do Orçamento do Estado, que é o último da legislatura, num tempo que coincide com a convenção nacional do BE, que será no final de novembro”, respondia então Ascensão. A citação é recuperada pelo BE para assegurar que a renúncia ao cargo de deputado foi mesmo a consequência do caso das viagens.
BE “Soube pelo Expresso”
Paulino Ascensão não esteve disponível para esclarecer se saiu pelo próprio pé ou empurrado pela direção bloquista. No entanto, o i sabe que houve uma reunião no partido na qual o assunto foi debatido e durante a mesma o deputado manifestou a sua disponibilidade para renunciar ao cargo. Na direção do Bloco, só se soube da acumulação de apoios às viagens “pelo ‘Expresso’”, garante um dirigente do BE, que considera que Paulino Ascensão “foi ingénuo”.
Além de Carlos César e Paulino Ascensão, Lara Martinho, João Azevedo Castro, Luís Vilhena e Carlos Pereira do PS e Paulo Neves do PSD confirmaram àquele semanário requerer o reembolso das viagens feitas nos CTT – como têm direito todos os residentes nas ilhas – apesar de, como deputados, auferirem um subsídio para cobrir as despesas com deslocações entre o continente e as ilhas.
De todos os deputados dos Açores e Madeira contactados pelo jornal, apenas a social-democrata Rubina Berardo afirmou não pedir este reembolso, por uma questão de opção “pessoal”.