PR trava mudança de sexo aos 16 anos

O veto presidencial é o mais que provável destino da lei sobre a mudança de género aos 16 anos aprovada pela Assembleia da República. O texto ainda não chegou a Belém, mas Marcelo tem um argumento de peso: a divergência foi grande no Parlamento e na sociedade.

Mudar de sexo no cartão do cidadão aos 16 anos? Não deverá acontecer tão depressa. Apesar da Assembleia da República ter aprovado a proposta, o Presidente da República está a ponderar utilizar o veto nesta matéria. 

Para já, Belém não quer fazer comentários sobre o assunto, até porque o novo texto legislativo ainda nem sequer deu entrada nos serviços da Presidência. Mas a verdade é que o amplo uso dos ‘afetos’ pelo Presidente – mesmo em relação ao Governo – não o têm inibido de fazer concomitante uso do poder de veto. Em matérias onde há uma grande divisão tanto no Parlamento como na sociedade, como é o caso desta, o Presidente tem mais argumentos para não optar pela promulgação imediata.

A mudança de sexo aos 16 anos no Cartão de Cidadão, sem ser necessário qualquer relatório médico, foi aprovada no dia 13 de abril, mas sem grande ‘união’ em São Bento. Um dos elementos da maioria parlamentar, o PCP, absteve-se, embora o seu companheiro de estrada, o partido ‘Os Verdes’, tenha votado a favor. Os votos que fizeram passar a lei vieram do Partido Socialista, Bloco de Esquerda, os já citados ‘Verdes’, do deputado do PAN e da deputada social-democrata Teresa Leal Coelho. Descontando a abstenção do PCP, que foi essencial para a lei ser aprovada, o Parlamento dividiu-se a meio: 109 votos a favor, 106 votos contra. 

Este será um grande argumento para o Presidente da República avaliar a sua decisão de veto. Na realidade, até à última, não se sabia o desfecho da votação. O PS tinha dado liberdade de voto. Se o Parlamento tivesse decidido optar pela votação nominal – em que cada deputado é chamado a pronunciar-se individualmente – a situação poderia ter sido diferente e dado origem a outro resultado. Mas foi decidido apurar os votos por grupo parlamentar, o que simplificou as coisas.

Na manhã desse dia 13, quando o presidente da Assembleia Eduardo Ferro Rodrigues anunciou o resultado final da votação, os deputados que permaneciam levantados aplaudiram a decisão do Parlamento virando-se de costas para a mesa da Assembleia da República, para as galerias, onde estavam representantes de associações de pessoas transexuais e familiares que se juntaram à celebração.

Para além da possibilidade de alteração de género aos 16 anos, sem apresentação do relatório médico desde que acompanhado por uma autorização dos encarregados de educação, o projeto aprovado na generalidade inclui também o fim dos procedimentos cirúrgicos ou farmacológicos em bebés e crianças intersexo que impliquem alterações do corpo ou características sexuais. O PSD votou contra, não por se opor à mudança de género no Cartão do Cidadão aos 16 anos, mas por defender a necessidade da existência de um relatório médico. 

42 pessoas mudaram de sexo

Neste ano de 2018, já 42 portugueses mudaram de sexo no Cartão de Cidadão. O mais novo tinha 18 anos, o mais velho 52. A maior parte das mudanças de sexo acontecem na casa dos 20 anos. A área metropolitana de Lisboa registou 20 casos de alteração de identidade. A área metropolitana do Porto vem em segundo lugar. 

No ano de 2017, foram registados 139 casos de mudança de sexo, mais 53 do que no ano de 2016. Em 2017, 86 foram mudanças para o sexo masculino e 53 para o feminino. Em 2018, até agora, também são mais os casos de mudança para o sexo masculino (26) do que alterações para o sexo feminino (16 registadas).

Desde que a lei que permite a mudança de género entrou em vigor, há sete anos, houve 35 jovens de 18 anos a proceder à alteração. Se a mudança é mais comum entre os jovens até aos 30 anos, em 2011, ano em que entrou em vigor a Lei da Identidade de Género, houve quatro sexagenários a mudar de sexo – o mais velho com 68 anos. No ano passado, o homem mais velho que alterou o género para feminino tinha 61. A mulher mais velha que mudou para o sexo masculino tinha 58. 

Pressão sobre Marcelo

Esta quarta-feira juntaram-se em frente a Belém quase uma centena de pessoas em vigília para que a lei que permite a alteração de género aos 16 anos não fosse promulgada pelo Presidente da República. O protesto, que foi convocado pelas redes sociais, condenava o facto de os jovens com 16 anos, que por lei não podem beber álcool nem conduzir, venham a ter possibilidade legal de fazer uma alteração de sexo no registo civil.

Os organizadores entregaram uma carta a Marcelo onde faziam o pedido para que não deixasse a lei passar. «Acreditamos que Marcelo Rebelo de Sousa vai olhar para isto como pai, avô, cidadão e Presidente da República e perceber a nossa preocupação», disse à agência Lusa Sofia Guedes, uma das organizadoras. «Está em risco a vida de pessoas, que pode ficar destruída para sempre», acrescentou.

Também a Associação de Médicos Católicos Portugueses (AMCP) tinha feito o mesmo pedido ao Presidente. «A lei aprovada exclui a medicina, não tem qualquer base científica, já que não se apoia em qualquer diagnóstico médico de disforia de género, e dispensa o tratamento médico necessário para estes caso», pode ler-se na carta aberta que a AMCP enviou a Marcelo. «É questionável a capacidade de discernimento de um jovem de 16 anos poder decidir, de forma madura, livre e responsável sobre a mudança de género», afirmam. «Nesta idade o córtex pré-frontal (envolvido nas respostas emocionais e na tomada de decisões) ainda não atingiu o desenvolvimento completo, pelo que não existem condições neurobiológicas de maturidade para uma tomada de decisão desta natureza», justificam.

Ana Sá Lopes, Filipa Traqueia e Marta F. Reis