António Costa encosta ao centro e agita PS

António Costa está a mexer o xadrez político para aproximar o PS do centro. Mas isso está a gerar turbulência interna. A ala esquerda socialista já estuda reações a esta viragem.

António Costa está a fazer mover o xadrez político, aproximando o PS do centro para aproveitar o desnorte do PSD. A estratégia envolveu já dois artigos de opinião de um dos ministros mais políticos do Governo, Augusto Santos Silva, que veio defender este recentrar do partido. Mas a ala esquerda socialista está desconfortável com a guinada e prepara uma resposta. Enquanto isso, Costa joga nos dois tabuleiros.

As últimas semanas vieram deixar claro que a ala direita do PS não acabou. E isso fez mexer os socialistas mais à esquerda. O grupo que se organiza à volta de Pedro Nuno Santos não gostou de ver Santos Silva recuperar a defesa da malfadada Terceira Via nem a pompa e circunstância em torno dos acordos assinados com o PSD.

O almoço da ala esquerda

O tema foi debatido num almoço esta semana, durante o qual a ala esquerda do PS ponderou formas de reagir a esta viragem ao centro. Uma das hipóteses em cima da mesa passava por usar a moção setorial que Pedro Nuno Santos deverá levar ao Congresso do PS na Batalha para responder ao «caminho da esquerda moderada e europeia» proposto por Augusto Santos Silva num artigo no Público. Mas a ideia acabou por ser afastada.

Fonte próxima de Pedro Nuno Santos explica ao SOL que a moção setorial que o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares está a preparar para o Congresso será «sobre um tema específico e não sobre doutrina ou política de alianças». Mas isso não significa que as teses de Santos Silva fiquem sem resposta. Nos próximos tempos, haverá vários sinais para dar conta daquilo que um elemento desta ala esquerda considera ser «a posição ultramaioritária de apoio a esta solução de governação à Esquerda».

A defesa da Terceira Via

«Confesso alguma estranheza quando um alto responsável de um Governo do PS não é capaz de interpretar as razões do seu próprio sucesso», dizia João Galamba esta semana no programa Prova dos 9 na TVI24, no qual defendia que a posição assumida por Santos Silva é «ultraminoritária» no PS.

Num dos textos publicados no Público esta semana, Augusto Santos Silva afirmava que a razão da crise dos partidos socialistas na Europa «não está no processo de renovação política empreendido nos anos 1990», com a Terceira Via inaugurada por Tony Blair. E argumentava que «o futuro da Esquerda democrática não está na radicalização política ou programática».

O argumentário caiu mal na ala liderada por Pedro Nuno Santos, mas está em linha com a estratégia de António Costa para as legislativas. Costa sabe que as eleições se ganham ao centro e vê uma oportunidade no desnorte do PSD, com a nova liderança enredada em polémicas e guerras internas.

‘Diz qualquer coisa de Esquerda’

Isso não quer, porém, dizer que António Costa queira alienar o eleitorado da Esquerda. A prova disso foi o reafirmar esta semana no debate quinzenal de que «em equipa que ganha não se mexe». Perante o desconforto de BE, PCP e PEV com os acordos sobre descentralização e fundos comunitários firmados com o PSD, o primeiro-ministro garantiu que  a solução que existe é para continuar. 

«Vamos negociar o Orçamento do Estado para 2019 da mesma forma que negociámos o de 2018, o de 2017 e o de 2016, com uma enorme vantagem em relação aos anteriores: é que à quarta é muito mais fácil do que à primeira, já nos conhecemos melhor, já temos boas razões para confiar mais uns nos outros», disse Costa durante um debate quinzenal em que a tensão esteve toda à esquerda.

Apesar disso, não se livrou de ver o PCP criticar em comunicado o «inegável significado político» do ato em que apareceu ao lado de Rui Rio, num momento com «a ostensiva visibilidade e notoriedade que se lhe decidiu atribuir».

No Governo, tentou-se acalmar o mal-estar dos parceiros à esquerda com uma notícia no Público, no qual uma fonte governamental assegurava que «não estão a ser nem vão ser trabalhados mais nenhuns acordos formais» que envolvam Costa e Rio. E que quaisquer «soluções conjuntas» que possam vir a ser encontradas com o PSD serão negociadas e aprovadas no Parlamento, tal como acontece com BE, PCP e PEV.

Para que a semana não acabasse com a sensação de divórcio na ‘geringonça’, António Costa aproveitou o jantar de aniversário do PS para, como dizia Nanni Moretti, «dizer qualquer coisa de Esquerda» e anunciar um aumento do salário mínimo, com um ataque à Direita. «A Direita dizia que para Portugal recuperar competitividade era preciso baixos salários e fragilização dos direitos laborais. A verdade é que aumentámos o salário mínimo em 2016, em 2017, este ano – e ficam já a saber que voltaremos a aumentá-lo em 2019», declarou.

No discurso, Costa invocou o capital de quem, construindo uma solução à esquerda, «teve de derrubar muros, tabus e mitos instalados» na política portuguesa. E esse é um mérito que a ala esquerda socialista lhe reconhece. «Costa tem a legitimidade de quem derrubou o muro», comenta ao SOL um dos elementos mais à esquerda do PS.

Mas o discurso, não só de António Costa mas de outros membros do Governo, está cheio de ambiguidades. Desde logo, na descida da meta do défice para 2018, que desagradou à Esquerda e valeu a Costa um elogio do PSD, pela voz  de Fernando Negrão, logo no arranque do debate quinzenal.

O ‘diabo’ de Centeno

A defesa desta meta de 0,7% de défice para 2018 fez mesmo Mário Centeno recorrer a um argumentário que faz lembrar a teoria do «diabo» de Pedro Passos Coelho. «Se não usarmos esta janela de oportunidade, a credibilidade política da Europa vai desvanecer ao longo do tempo e os receios dos mercados sobre a resiliência do euro podem voltar para assombrar-nos», avisou Centeno. A frase foi dita durante a apresentação do Programa de Estabilidade na semana passada e parece tirada a papel químico do «construam finanças públicas sólidas nos bons tempos», dito esta semana por Vítor Gaspar num evento do FMI.

O objetivo no Governo é o de afastar a ideia de que o PS «é despesista» e vincar a diferença em relação a 2009, quando José Sócrates usou uma descida do défice para justificar aumentos na Função Pública em ano de legislativas. E esta é uma estratégia que pretende cativar um eleitorado moderado que no PS se acredita poder ser conquistado ao PSD, num momento em que a liderança de Rui Rio ainda não descolou.

O problema de governar com a Esquerda ao mesmo tempo que se fala para uma parte da Direita é que os partidos que sustentam o Governo no Parlamento vão forçar momentos de definição. O BE já tem vários na agenda.

BE força definição de Costa

O primeiro momento acontece já esta semana, durante o debate do Programa de Estabilidade. Os bloquistas querem que «todos os partidos» respondam à pergunta sobre se, respeitando os compromissos de Bruxelas, a folga criada pelo crescimento da economia e pela descida dos juros deve ou não ser usada para aumentar o investimento público.
Mas há mais: as propostas sobre a lei das rendas que Catarina Martins vai levar a votação no dia 4 de maio são também uma forma de obrigar Costa a definir-se sobre aquilo que já disse ser «a pesada herança» de Assunção Cristas.
Outro momento de definição será a votação da proposta de Lei de Bases da Saúde feita por António Arnaut e João Semedo. «Irá o PS virar as costas a António Arnaut e firmar um pacto com quem quer manter o SNS nas garras dos privados?», questionou esta semana o líder parlamentar bloquista, Pedro Filipe Soares, num artigo de opinião no JN. A pergunta é, no fundo, a de saber de que lado está Costa: à Esquerda ou à Direita? A resposta deverá, porém, variar, porque o primeiro-ministro quer mesmo é ocupar o centro.