O Parlamento reforçou as regras de segurança há cerca de duas semanas. Os funcionários passaram a ser controlados à entrada – medida que, até aqui, só era aplicada a visitantes. No entanto, e apesar da maior preocupação com o controlo nos acessos, os deputados e seus convidados ficaram de fora dos novos procedimentos e continuam sem ser alvo de qualquer revista. A Secretaria-Geral da Assembleia da República (SGAR) justifica a decisão com «imunidades» decorrentes do cargo de deputado, mas especialistas em segurança contactados pelo SOL defendem que os controlos deveriam abranger todas as entradas.
A própria segurança dos edifícios da Assembleia da República deixa a desejar: em 2012 foram gastos quase 20 mil euros na compra e na instalação de um sistema de ‘conta-cabeças’. Mas a seguir à aquisição, a ideia foi abandonada e, seis anos depois, o equipamento continua por ativar. Sem este sistema ligado, não é possível saber, de forma imediata, quantas pessoas estão dentro da Assembleia em caso de catástrofe ou de um incidente de segurança em que seja preciso evacuar o edifício.
Os novos procedimentos de controlo de entradas caíram mal junto dos funcionários do Parlamento, apurou o SOL. Desde logo, por não ter havido qualquer aviso prévio. «Na segunda-feira, dia 21, foram informados, à entrada, pelos agentes da PSP, que tinham de mostrar as malas e as carteiras, sem que lhes tenha sido explicado porquê», conta uma fonte parlamentar.
Além disso, os funcionários não veem com bons olhos o facto de os deputados e seus convidados continuarem sem qualquer tipo de fiscalização. «Todos compreendem que a segurança existe e que tem de existir por se tratar de um órgão de soberania, mas há uma desigualdade no tratamento», queixa-se uma outra fonte parlamentar.
Polícias alvo de «desdém»
O desconforto também é partilhado pelos agentes da PSP encarregues de controlar os acessos. «Decidem-se regras mais rigorosas com o argumento de que a segurança é importante e, depois, há um grupo de pessoas que se deixa passar, sem qualquer controlo. E quando os polícias tentam fazer o seu trabalho, são olhados com desdém pelos deputados», queixa-se um agente da PSP.
A SGAR explica as novas medidas de segurança com o «aperfeiçoar de procedimentos que já eram executados anteriormente» e justifica a exclusão dos 230 deputados com o facto de serem «titulares do órgão de soberania Assembleia da República» e terem «um estatuto próprio, do qual decorrem imunidades que os funcionários não têm». Numa resposta enviada ao SOL, o gabinete do secretário-geral explica que «não faz qualquer sentido que [os deputados] devam ser fiscalizados por suspeita de poderem atuar contra si mesmos, isto é, contra a sua própria segurança».
Mas esta explicação não é consensual. Paulo Macedo, especialista em segurança de infraestruturas críticas, explica que, em órgãos de soberania e locais sensíveis, como é o caso do Parlamento, a segurança deve ser «objeto da maior atenção», com entradas controladas e medidas extensíveis a todos os grupos. «Até por uma questão de exemplo», defende.
Paulo Rodrigues, presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia, concorda. «Trata-se de um órgão de soberania importante e os deputados precisam de ser protegidos. Não se trata de lançar suspeitas sobre ninguém, mas de existir uma garantia de maior segurança das pessoas e dos edifícios», explica.
Já sobre o argumento da imunidade, o Estatuto do Deputado nada refere sobre o ‘escapar’ às medidas de segurança do Parlamento. Existe no documento uma referência ao direito de «livre trânsito, considerado como livre circulação em locais públicos de acesso condicionado, mediante exibição do cartão de Deputado». Porém, defende uma das fontes parlamentares com que o SOL conversou, este direito «não pode colidir» com a necessidade de segurança.
«Outro dos direitos dos deputados é o do uso e porte de arma, mas isso não significa que possam circular livremente num aeroporto com uma arma. Os direitos dos deputados não podem colidir com regulamentos de segurança vigentes em determinados espaços», exemplifica.
Segurança ‘desligada’
A juntar às exceções no controlo dos acessos, a Assembleia da República tem um sistema de segurança instalado, mas que nunca foi ligado. Custou 18.500 euros e foi montado em 2012. Trata-se de um sistema de ‘conta-cabeças’, composto pela interação de ‘câmaras cegas’ (que não fazem registo de imagem) com cartões de identificação dos funcionários e dos deputados.
Este equipamento permite saber o número de pessoas que estão dentro de um determinado espaço do Parlamento e facilitaria eventuais trabalhos de segurança e de socorro em caso de evacuação, incêndio ou outros incidentes. «As câmaras foram compradas e montadas, mas o sistema nunca funcionou porque os deputados consideraram que era um ‘atentado’ à sua privacidade», conta fonte parlamentar. Passaram seis anos desde a aquisição e nunca chegaram a ser comprados os cartões de identificação com a tecnologia necessária para ligar o sistema.
Porém, a SGAR adiantou ao SOL que a ativação do equipamento, que «constitui uma forma de aperfeiçoamento da segurança», está a ser «reanalisada». E acrescenta que o sistema só não foi ligado nos últimos seis anos porque representaria «uma duplicação do controlo» dos funcionários, uma vez que estes «ficariam controlados, por um lado, através do sistema de controlo de assiduidade e, por outro lado, através do sistema de ‘conta-cabeças’».
Sobre o facto de, em caso de emergência, não ser possível saber, de forma imediata, o número de pessoas que estão dentro da Assembleia da República, o gabinete do secretário-geral defende que se trata de uma «preocupação quase teórica» e que se resolve «através de uma operação aritmética».
«Sabendo nós quantos são os deputados e quantos são os funcionários e prestadores de serviços, o problema só se coloca quanto aos visitantes. Ora, todos os que entram no Parlamento são alvo de um controlo que implica um registo de entrada e a entrega de um cartão de acesso, devolvido à saída. Somando as entradas e deduzindo as saídas, sabe-se quantas são as pessoas que se encontram nas instalações», explica a SGAR.
Mais uma vez, os especialistas contactados pelo SOL discordam da abordagem. «Faria sentido ativar esse sistema. Parece-me pouco normal que se faça uma aquisição dessas e, depois, não se ponha o equipamento a funcionar», admite o general Leonel Carvalho, que comandou a GNR e dirigiu o Gabinete Coordenador de Segurança.
«É desejável que em qualquer espaço onde haja mais de 15/20 pessoas, que se desconhecem umas às outras, se saiba exatamente quem está onde e esse tipo de controlo eletrónico facilita a segurança de qualquer espaço», defende Paulo Macedo.