Pedro Nuno ganha batalha e António Costa não gostou

Pela primeira vez num congresso do PS o potencial futuro líder roubou protagonismo ao atual líder. Costa não gostou do feito inédito. Quanto pagará Pedro Nuno Santos por ter afrontado a estratégia de Costa? 

Há um novo PS no partido liderado por António Costa e Costa não está a gostar. Esse PS é mais à esquerda do sítio onde o líder quer agora colocar o partido para as eleições legislativas e, miraculosamente, conseguiu empolgar mais o congresso do que o próprio  secretário-geral. Inédito.

Ao assumir-se como desafiador ideológico, e tendo os congressistas a seus pés e o apoio explícito de Manuel Alegre, Pedro Nuno Santos marcou espaço para o futuro mas também correu um grande risco: Costa, o líder, odeia que o desafiem. Se Pedro Nuno e seus apoiantes deram jeito a Costa para a formação da ‘geringonça’, a demarcação da estratégia centrista do secretário-geral – e o seu sucesso na Batalha – não encantou Costa.  O primeiro sinal da incomodidade viria logo no discurso de encerramento em que Costa sentiu necessidade de anunciar que «não meteu os papéis para a reforma», uma declaração inusitada num primeiro-ministro que ambiciona agora conquistar a maioria absoluta. O alvo era evidentemente Pedro Nuno Santos, que, ao definir uma linha distinta da do secretário-geral, tinha conquistado o Congresso.

Ao  referir a emergência «de uma nova geração com enorme potencial e qualidade política e técnica para poder seguir com a bandeira do PS em punho», Costa tentou colocar todos os seus putativos sucessores no mesmo cesto, mas o congresso correu claramente mal a Fernando Medina que tentou fazer um contraponto ao discurso esquerdista de Pedro Nuno Santos quando disse que «o PS não é o partido da proclamação da retórica vazia» perante a indiferença geral. À falta de entusiasmo acresce a falta de ‘tropas’. Enquanto Pedro Nuno Santos construiu lentamente, ao longo de muitos anos, uma rede de apoiantes dentro do aparelho socialista, Fernando Medina conta com o apoio de notáveis, mas não tem implantação nas bases. Aliás, o seu número dois na Câmara de Lisboa, Duarte Cordeiro – que também foi diretor de campanha da candidatura de Costa neste congresso – assinou a moção setorial de Pedro Nuno Santos e é um dos elementos mais relevantes do ‘pedronunismo’ e da defesa das alianças à esquerda.

Duarte Cordeiro, que é agora presidente da Federação da Área Urbana de Lisboa do PS, fez a defesa da ‘gerigonça’ e do posicionamento do partido nos últimos três anos, ao contrário do (re)centrismo agora incentivado por António Costa e Augusto Santos Silva. Aliás, no seu discurso, o líder da FAUL  repetiu várias vezes que é preciso «manter o rumo iniciado há três anos». O número 2 da Câmara de Lisboa afirmou concordar com a ideia de «falar para todos os eleitores» que está subjacente à estratégia do secretário-geral, mas avisou: «Não devemos esquecer, no momento em que desenhamos as nossas políticas, dos eleitores que suportam a maioria e suportam este Governo». Defendeu  que existe «uma maioria do eleitorado a apoiar um Governo do PS que dialoga, não fecha a porta ao diálogo» e que «penalizará quem fechar a porta ao diálogo». Duarte Cordeiro falava do diálogo à esquerda, evidentemente, fazendo contraponto com aqueles que, como Fernando Medina, defendem que é cedo para definir as alianças da próxima legislatura. Se, no último Congresso do PS até António Costa se apresentou como eurocrítico, Duarte Cordeiro foi agora dos poucos que lembrou que no PS ainda existem divergências sobre o caminho que a Europa segue: «Somos europeístas, mas sendo críticos da maioria dos tratados europeus».

O soporífero falhou

António Costa tinha definido um guião o mais soporífero possível para o congresso da Batalha: apresentou uma moção muito pouco ideológica e quis travar a ‘esquerdização’ do PS que a sua vitória contra Seguro e a posterior construção da geringonça permitiram. 

Tendo a maioria absoluta como objetivo principal, a ementa do congresso era recentrar o partido e evitar ao máximo o debate interno. Isso foi claro quando, logo no discurso de arranque, Costa fez questão de minimizar a novidade da existência de um governo minoritário do PS com o apoio do PCP e Bloco de Esquerda, insistindo apenas na ideia de este era o «PS de sempre». Quando o último Congresso do partido aconteceu a geringonça tinha apenas seis meses – e tanto PCP como Bloco de Esquerda foram aplaudidos pelos socialistas. Desta vez foram genericamente ignorados. 

A ideia de diminuir ao máximo o debate interno esteve na cabeça da direção do PS desde o primeiro minuto. A organização do Congresso, por exemplo, decidiu que o tempo reservado aos discursos dos congressistas seria minimal. Aliás, muitos dos delegados aos congressos viram-se impedidos de falar – quando foram tentar ‘tirar senha’ foram informados que já estavam esgotadas. Costa visivelmente não queria grande conversa – enquanto nos recentes congressos do PSD e do CDS toda a gente falou pela noite fora, no congresso do partido do Governo os trabalhos acabaram na sexta-feira e no sábado à hora do jantar. O guião estava preparado para um aplauso unânime ao chefe e nada mais. 

Aquilo que era para ser um congresso sem história, apesar de ser o último antes das legislativas, transformou-se numa sessão de inesperada aclamação, menos ao líder em funções do que ao provável futuro líder – Pedro Nuno Santos. António Costa não levantou o Congresso, Pedro Nuno conseguiu fazê-lo, num discurso de defesa da aliança à esquerda e de candidato a secretário-geral que fez disparar a adrenalina dos congressistas.

«Não é com o PSD ou com o CDS que vamos proteger o sistema público de pensões. O mesmo com a educação, o mesmo com a saúde. Caros e caras camaradas, isto não é populismo, isto não é radicalismo, isto é ser socialista!», disse Pedro Nuno Santos na Batalha, numa daquelas proclamações que entusiasmaram o congresso e que Fernando Medina iria acusar, pouco depois, de mais não ser que «retórica vazia». 

Ao fugir ao guião de Costa, Pedro Nuno Santos pode ter comprado uma guerra com o líder. Os próximos tempos dirão como é que Costa vai lidar com o challenger. Há um novo PS dentro do PS que ameaça o novo centrismo protagonizado pelo secretário-geral.