É a terceira vez que Cristiano Ronaldo é acusado de violação, depois de ter enfrentado acusações do género em 2005, em Inglaterra, e, mais tarde, em Itália. Mas nenhum dos casos chegou tão longe quanto o de Kathryn Mayorga, a americana que garante ter sido vítima de abusos em 2009, num hotel de Las Vegas. A queixa deu entrada esta semana no tribunal de Clark e Ronaldo tem agora 20 dias para se defender das acusações, que lhe imputam um total de 11 crimes, entre eles agressão física, abuso de pessoa vulnerável, chantagem, indução de stress emocional ou conspiração.
A história tem quase dez anos – remonta à noite de 12 de junho de 2009 -, mas a polícia de Las Vegas anunciou na terça-feira que a investigação foi reaberta, depois de a revista alemã Der Spiegel ter revelado a identidade da vítima e pormenores sobre os alegados abusos. A credibilidade dos artigos poderia até ser posta em causa, não fosse o facto de a revista ter avançado um conjunto de documentos que levantam dúvidas: desde relatórios de exames forenses a registos telefónicos, passando por mensagens trocadas entre Ronaldo e o seu advogado e papéis que comprovam que o futebolista pagou 323 mil euros a Mayorga para evitar que esta falasse.
Em 2009, Kathryn tinha 25 anos e sonhava com uma carreira no mundo da moda. Fazia pequenos trabalhos na área e, ao mesmo tempo, estava empregada na discoteca do Hotel Palms, em Las Vegas. As suas funções passavam por atrair clientes – muitos deles milionários, como Ronaldo – para a zona do bar. Um trabalho que acabaria por a descredibilizar durante os meses de negociação com os advogados do jogador português antes da assinatura do pacto de silêncio. «Não eras propriamente uma menina boa», ter-lhe-ão dito num dos encontros de mediação.
A 12 de junho de 2009, o jogador português – à época prestes a sair do Manchester United para o Real Madrid – estava de férias nos Estados Unidos com um primo e o cunhado e esbarrou na modelo, que agora é professora primária de educação física, na zona VIP da discoteca. Foram fotografados (há até um vídeo, disponível no site do SOL) a dançar e, no dia seguinte, as imagens acabaram nos jornais, com as publicações a questionarem-se sobre quem seria a «misteriosa morena». Ainda nessa noite, Ronaldo continuou a festa na penthouse que tinha alugado no hotel e convidou várias pessoas para o acompanharem, entre elas Mayorga e uma amiga da modelo – para «desfrutarem da vista» sobre a cidade.
«não sou como os outros»
Segundo os relatos da americana, revelados pela Der Spiegel, o grupo de convidados acabou no jacuzzi, mas a modelo não queria estragar o vestido prateado que usava e recusou-se a entrar na água. Ronaldo ter-lhe-á então sugerido que vestisse uns calções e uma t-shirt e se trocasse numa das várias divisões da penthouse. Só que quando a modelo estava a vestir-se, o jogador terá irrompido pela sala adentro, com o pénis à mostra. Suplicou que lhe tocasse nem que fosse só «por 30 segundos» e o beijasse, mas Mayorga garante que recusou os contactos. Pelo meio, foram interrompidos por um amigo de Cristiano e o craque terá disfarçado o ambiente de tensão. Quando voltaram a ficar sozinhos, tê-la-á atirado para uma cama. «Isto não vai acontecer», terá dito Mayorga, que conta ter-se enrolado «como se fosse uma bola» para tentar travar as investidas de Ronaldo. Mas o jogador pegou-lhe pela vagina, pô-la de costas e penetrou-a no ânus.
Numa das reuniões de mediação que aconteceram antes do acordo, Cristiano terá admitido que foi «rude» e que o ato «demorou cinco a sete minutos». E acrescentou: «Não sou como os outros, pedi desculpa a seguir». Esta versão corresponde à contada por Mayorga, que recorda que o craque parecia culpado no final. «Olhou para mim com um olhar culpado, como se se sentisse mal, (…) disse ‘desculpa’ ou ‘estás ferida?’». Cristiano terá ainda rematado com qualquer coisa como: «Um homem é 99% bom, à exceção de 1%».
No dia seguinte, pelas 14h16, Mayorga telefonou para a polícia de Las Vegas – a ocorrência ficou registada com o número 426, referente a abusos sexuais – e um carro-patrulha deslocou-se a casa da modelo, num luxuoso bairro da cidade, onde vivia com os pais. Foi levada ao hospital e os exames comprovaram que foi sodomizada à força – o ânus estava em ferida. As perícias também concluíram que a ejaculação ocorrera «nas mãos do agressor». Mayorga, que se recusou a revelar o nome do suposto violador, voltou para casa medicada com antibióticos e contratou uma advogada conhecida de uma amiga, que lhe recomendou que falasse à Polícia.
«Isso não é muito?»
O depoimento foi gravado cerca de duas semanas mais tarde, mas o polícia que o registou demoveu-a de continuar com a queixa: avisou-a de que não ia dar em nada e que ia arranjar problemas. Mayorga desistiu e a advogada acabou por entrar em contacto com os advogados de Ronaldo para negociarem uma solução extrajudicial. Os encontros entre as duas partes começaram ainda em 2009, com várias reuniões. O último foi a 12 de janeiro de 2010, em Las Vegas. Ronaldo não estava, mas foi trocando mensagens com o advogado, Osório de Castro.
A conversa acabou nas páginas da Der Spiegel em abril de 2017, depois de a plataforma Football Leaks ter libertado documentos comprometedores para o jogador – entre eles um acordo de 323 mil euros para pagar o silêncio de uma americana que dizia ter sido vítima de abusos sexuais. «Até agora ainda não falaram de dinheiro, mas está para vir», escreveu Osório de Castro. Menos de uma hora depois, o advogado enviou uma nova mensagem a Ronaldo: «950 mil dólares». «É esse o valor?», devolveu o jogador. «É a primeira proposta: dá 660 mil euros. As negociações continuam», continuou Osório de Castro. «Isso não é muito?», quis saber Cristiano. «Acho que sim, tem de ser menos».
Mayorga invoca agora que o acordo não é válido por, na altura, se encontrar incapaz de decidir e mergulhada numa depressão. Os advogados defendem que foi conseguido de má-fé, aproveitando a sua situação de vulnerabilidade, sendo que o Código Penal do Nevada criminaliza este tipo de práticas. Por outro lado, os representes da americana alegam que como o acordo foi tornado público – tendo sido publicado na Der Spiegel e replicado nos jornais de todo o mundo – perdeu a validade, dado que o que tinha ficado acordo era que a modelo não avançaria para a Justiça com a condição de os documentos nunca virem a ser conhecidos.
Mayorga alega igualmente que Ronaldo lhe infligiu agressões físicas de maneira «maliciosa, opressiva, coerciva e intencional», provocando-lhe «stress emocional». A modelo garante. aliás, sofrer de stress pós-traumático e de depressão. Por outro lado, terá sido perseguida e ameaçada por pessoas que trabalhavam para o jogador, para a impedirem de falar e a descredibilizarem – algo que, dizem os advogados, constituirá coerção e fraude. Os representantes da americana vão mais longe e invocam o crime de abuso de pessoas vulnerável, argumentando que o jogador se aproveitou da frágil condição da vítima. Outras das acusações que deram entrada em tribunal têm a ver com conspiração e chantagem: Mayorga assegura que o futebolista terá exercido influência sobre as autoridades para que estas desvalorizassem qualquer denúncia. Mayorga queixa-se igualmente de difamação – uma vez que, quando sairão os documentos da Football Leaks, o agente de Ronaldo, Jorge Mendes, classificou os artigos de «ficção jornalística». A americana argumenta que a tentativa de desmentir a história lhe arruinou a imagem.
No fim de semana passado, Ronaldo – que entretanto contratou um novo advogado, David Chesnoff, o mais reputado de Las Vegas e que já defendeu celebridades como Leonardo di Caprio ou Paris Hilton – negou as acusações. Num direto a partir do Instagram, garantiu que a história não passa de uma tentativa de aproveitamento do seu nome. Mais tarde, já na quarta-feira e pouco antes de uma conferência de imprensa dos advogados de Mayorga sobre os crimes que estão em causa (anunciada desde o início da semana), Cristiano voltou ao assunto, desta vez no Twitter, para negar «terminantemente» o caso e garantir que considera a violação «um crime abjeto» e «contrário a tudo» em que acredita. «Nada me pesa na consciência», assegurou. O crime de violação é um dos mais graves no estado do Nevada: a pena pode chegar à prisão perpétua, sem direito a liberdade condicional.
Apesar das declarações do internacional português, a Nike fez saber que está «profundamente preocupa com as acusações chocantes», assegurando que irá «continuar a acompanhar de perto a situação». Recorde-se que Ronaldo tem contrato com a marca de desporto desde 2003, um vínculo que já rendeu cerca de 860 milhões de euros.