China e Portugal vão aprofundar as relações políticas depois de Portugal ter aceitado cooperar com a iniciativa chinesa da Uma Faixa e Uma Rota. «Notando o potencial para sinergias entre as duas economias e para a expansão da coordenação política», o memorando de entendimento agora assinado, e a que o SOL teve acesso, sublinha que os dois Estados vão reforçar «a comunicação e coordenação em relação aos principais ajustes políticos respetivos».
Com o objetivo de «promover o intercâmbio de bens, tecnologia, capital e de pessoas através da conectividade e aprendizagem mútuas», ambas as partes comprometeram-se a cooperar e a promoverem a «expansão da coordenação de políticas» para «assegurar redes de infraestruturas sustentáveis e interoperáveis». De modo a suster os receios de Bruxelas, Paris, Berlim e Washington de uma maior proximidade e permeabilidade da economia portuguesa e, por inerência, europeia, aos interesses chineses, o Governo português comprometeu-se a cooperar – e não aderir – no âmbito das «prioridades identificadas no Plano de Investimento para a Europa e na Estratégia UE para a Conectividade entre a Europa e a Ásia».
Uma cooperação que, não obstante, também passa pelo desenvolvimento de «relações políticas, laços económicos, e intercâmbio de pessoas», num quadro «inclusivo, equilibrado, justo, transparente e benéfico para todos» guiado por princípios como o da «consulta extensiva».
Sabe-se que as pressões sob o Governo português para que, ao contrário da Hungria e da Grécia, não aderisse à iniciativa foram significativas. O Presidente francês, Emmanuel Macron, chegou inclusive a enviar uma «mensagem ao Governo português dizendo que ficaria muito desiludido se Portugal entrasse na iniciativa chinesa», segundo o antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Bruno Maçães, em entrevista ao i. Neste sentido, Lisboa tentou fazer a quadratura do círculo: cooperar com Pequim sem criar receios junto dos seus aliados. Portugal torna-se assim no único país da Europa Ocidental a decidir cooperar com a iniciativa chinesa – Espanha recusou assinar um memorando do género, assinando apenas protocolos estratégicos em áreas como a dos transportes, por exemplo.
Ao longo do documento são pautáveis as salvaguardas para não colocar em causa as alianças estratégias da política externa portuguesa, neste caso com a União Europeia: o Governo «promoverá esta cooperação bilateral nos termos das regras e dos padrões internacionais e das obrigações resultantes do seu estatuto de membro da União Europeia, das suas regras e princípios». Uma cooperação que, além dos mecanismos bilaterais e instituições multilaterais. em que ambos os países se encontram, se focará «em particular [n]a Plataforma UE-China para a Conectividade».
Todavia, ambos os lados comprometeram-se a promover «sinergias entre as suas principais estratégias de desenvolvimento, planeamento e políticas», reforçando a «comunicação e coordenação» sobre os «principais ajustes políticos».
As principais áreas de cooperação serão os transportes, o comércio e investimento, a área financeira, energia e o intercâmbio de pessoas – nesta última com a criação de instituições de ensino chinesas nas universidades do Porto e Coimbra.
No que aos transportes diz respeito, ambas as partes comprometem-se a realizar «procedimentos de adjudicação abertos, transparentes e não discriminatórios» – relembre-se que Bruxelas tem de dar um parecer prévio à entrada de capital chinês no setor dos transportes nacional. A importância do Porto de Sines e de outros portos portugueses também é sublinhada para o avançar da iniciativa chinesa, não esquecendo o desenvolvimento de «conexões ferroviárias estratégicas com as Redes de Transporte Transeuropeias».
A aposta no setor da energia também é forte, como a OPA da China Three Gorges sobre a EDP, ainda em análise em Bruxelas, demonstra. Recorde-se que a State Grid comprou 25% da REN em 2012. O documento é omisso sobre futuros investimentos chineses no setor, não descartando essa possibilidade. Ao invés, foca-se na «troca de conhecimentos e de experiências na integração de renováveis, sistemas de transmissão de eletricidade sustentáveis e inteligentes, bem como gestão de redes».
Já no setor financeiro, o documento é deveras lato, limitando-se apenas a referir que «as instituições financeiras respetivas [encorajarão o] apoio financeiro e serviços financeiros para a cooperação em matéria de capacidade produtiva, investimento e comércio».
No que às dívidas soberanas diz respeito, o memorando afirma que a «sustentabilidade das dívidas será considerada», não dando mais pormenores.
Recorde-se que o primeiro-ministro, António Costa, congratulou-se, na quarta-feira, pelo facto de a agência de notação financeira chinesa ter passado a considerar a dívida portuguesa como elegível para emissões de dívida em yuan, a moeda chinesa. Numa altura em que a dívida soberana portuguesa voltou no início deste mês a bater recordes, encontrando-se nos 251 mil milhões de euros, um aumento de 2,1 mil milhões face a setembro. A China tem sido acusada pelos EUA de usar empréstimos e compra de dívida como instrumento de pressão política. A possibilidade de o mesmo acontecer em Portugal não pode ser descartada.
O documento entrou em vigor na data da sua assinatura e manter-se-á em vigor nos próximos cinco anos, podendo ser automaticamente renovado no final desse período caso «nenhuma das partes notifique por escrito o outro lado» com prazo mínimo de antecedência de três meses.
Os restantes 16 acordos, como o da EDP com a China Three Gorges ou o da Caixa Geral de Depósitos com o Bank of China, ou mesmo o da State Grid com a REN, enquadram-se assim neste memorando, inserindo-se nos eixos estratégicos do aprofundamento das relações entre Lisboa e Pequim.
Com a maior cooperação no âmbito da Rota da Seda, este memorando, como refere Maçães, «vai alterar a nossa relação com a China e a Europa». E poderá tornar a economia nacional mais permeável aos interesses chineses, num momento em que a China procura fazer corresponder ao seu estatuto de grande potência económica a afirmação política correspondente. Numa altura de grande tensão comercial com os EUA.