Depois de a ministra da Saúde ter revelado que o parecer complementar pedido à Procuradoria Geral da República sobre a greve cirúrgica dos enfermeiros considerou a paralisação “ilícita”, indicando que será publicado em “Diário da República” com efeitos de suspensão do protesto, o fim de semana foi de contestação por parte dos sindicatos. “A greve continua em vigor, para todos os colegas que trabalham nas instituições visadas até que seja dito por nós o contrário”, disse o Sindepor, uma das estruturas que convoca a greve.
Até ao fecho desta edição o parecer não tinha sido tornado público e a expectativa é de que venha a ser publicado em Diário da República no início da semana. Ao i, a PGR clarificou na sexta-feira à tarde que “a entidade competente para decidir sobre a divulgação é a que solicitou o parecer, sendo que a Procuradoria-Geral da República nada tem a opor a essa divulgação”.
O documento não foi divulgado à comunicação social e também não chegou aos sindicatos. Ao i, Carlos Ramalho, dirigente do Sindepor, lamenta o que considera ser uma “falta de transparência pouco democrática” em todo este processo. “Trata-se de uma análise complementar ao parecer que já tinha sido emitido pela PGR e ao qual também não conseguimos ter acesso”, diz o dirigente sindical.
O primeiro parecer foi emitido no final de janeiro. Na altura, a tutela fez saber que o parecer tinha considerado lícita a convocatória de greve, mas deixava o alerta de que caso coubesse a cada enfermeiros decidir dia, hora e duração do período de greve, “numa gestão individual desta forma de luta”, estar-se-ia perante “uma greve ‘self-service’, um movimento de protesto ilícito”.
O parecer agora em causa foi pedido antes de o governo ter decretado a requisição civil invocando o incumprimento de serviços mínimos. Na altura, o gabinete da ministra Marta Temido esclareceu que estava a analisar o pedido de uma análise complementar acerca “do exercício do direito à greve e licitude do financiamento colaborativo”. Recorde-se que a atual greve de 29 dias nos blocos operatórios foi antecedida de uma greve de 40 dias no final de 2018. Ambas as paralisações foram apoiadas por campanhas de crowdfunding que reuniram, em conjunto, mais de 800 mil euros. O recurso a crowdfunding para financiar greves, havendo apoiantes anónimos, está entretanto a ser analisado pela ASAE. Desde que veio a público a investigação, cerca de mil apoiantes da campanha de fundos acabaram por mudar o seu estatuto de anónimo na plataforma PPL, mas permanecem registados 1357 donativos anónimos. A Comissão de Dados autorizou a ASAE a ter acesso a informação interna do site, que regista o NIB de todos os donativos.
Garcia Pereira, advogado que representa um dos sindicatos na ação de contestação da requisição civil, defendeu este fim de semana que o parecer da PGR é uma “opinião jurídica”. Quanto ao anúncio de homologação por parte do ministério, diz representar “uma ordem de serviço que não pode servir para condicionar ou anular a greve”, sublinhando que a decisão que se aguarda do Supremo Administrativo sobre a intimação dos enfermeiros se sobrepõe.
Durante o fim de semana, questionado sobre este diferendo, o presidente da República acabou por secundar a leitura, dizendo estar aguardar a decisão do Supremo. “Veremos se é na próxima semana. Até lá é prematuro estar a pronunciar-se sobre uma questão que está em tribunal.”
O primeiro-ministro defendeu ser uma boa oportunidade para as estruturas sindicais repensem as suas formas de luta, deixando em aberto margem para o retomar das negociações. “[É uma oportunidade] para concluirmos aquilo que é importante, assegurar aos enfermeiros portugueses aquilo a que têm direito ver assegurado”.
O movimento de enfermeiros que dinamizou a greve cirúrgica convocou uma marcha para 8 de março em Lisboa. A ASPE, um dos sindicatos grevistas, anunciou durante o fim de semana que será convocada uma greve para esse dia.
