Depois da chuva de casos de nomeações de membros do Governo com relações familiares, que continuou durante esta semana, o Presidente da República veio avisar que «se a ética não chega, há que mudar a lei» e que deve ser o Parlamento a definir as regras.
Para Marcelo Rebelo de Sousa, a lei a ser alterada deve ser o Código de Procedimento Administrativo, em vigor desde 1991, onde estão definidas as regras e as limitações das nomeações de familiares para cargos na Administração Pública. Isto porque, explicou ontem o Chefe de Estado à RTP e à SIC, os trabalhadores dos «gabinetes governativos não são políticos, são pessoal administrativo».
Desta forma, cabe ao Parlamento, e não ao Governo, avançar com a revisão às regras do Código do Procedimento Administrativo (CPA), que foi revisto em 2014 sem que as limitações em vigor para as nomeações tivessem sido alteradas. Ou seja, as restrições estão em vigor há mais de 20 anos.
Além disso, o Presidente defende que «faz sentido» incluir nas limitações das nomeações todos os «colaboradores de titulares de órgãos políticos». Ou seja, incluir também os trabalhadores nos gabinetes parlamentares, a quem se aplicam as regras do CPA.
Mas, além deste código, há ainda um outro diploma onde estão previstas algumas regras e incompatibilidades para os membros dos gabinetes e do Governo, como chefes de gabinete, assessores, adjuntos, técnicos especialistas ou secretárias. Caso seja este o diploma a ser alterado, Marcelo avisa que cabe então ao Governo mudar as regras.
Para o Presidente, é preciso discutir «se se justifica haver um regime próprio para quem trabalha em gabinetes governamentais ou parlamentares», salientando que, nestes cargos, «há a ideia que há confiança política» mas, «no fundo, são funcionários da Administração Pública». Até porque, continuou, «do ponto de vista administrativo, uma secretária de um ministro ou de um secretário de Estado não é diferente de uma secretária de um diretor-geral ou de um diretor de serviços».
Marcelo avisa ainda São Bento e o Parlamento que os casos das nomeações com relações familiares entre membros do Governo tem vindo a provocar «uma indignação que aparentemente tem que ver com princípios fundamentais que podem ser objeto de legislação» e que, por isso, considera «estranho» que «não se retire nenhuma consequência». Mas, frisa ainda Marcelo, «se os legisladores entenderam que não se devem retirar consequências e que não devem legislar, tudo bem. No futuro indignam-se menos».
Empurrar de responsabilidades
O chefe de Estado enviou o recado a São Bento e ao Parlamento, horas depois de um empurrar de responsabilidade entre o Governo e o PS e todos os partidos.
Horas depois de o Governo ter sofrido a primeira baixa – com a demissão do secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, que nomeou o seu primo como adjunto, Armindo dos Santos Alves – o primeiro-ministro defendeu esta quinta-feira, no Parlamento, a necessidade de um «critério claro e uniforme» para a nomeação de familiares dentro de um Governo. Durante o debate quinzenal, António Costa sugeriu que poderia ser precisamente a Comissão da Transparência a definir esses critérios. Ontem, à TSF, o presidente da Comissão da Transparência, Luis Marques Guedes, deputado do PSD, acusou o primeiro-ministro de «atirar responsabilidades para cima de outros» e que não percebe por que o primeiro-ministro entende «que é preciso uma lei para o Governo fazer aquilo que entende que deve ser feito». Também o PSD, o CDS, o BE e o PCP defendem que cabe ao Governo alterar a lei, considerando ser uma questão de ética e de bom senso.
Marcelo aponta caminho
O Presidente também já definiu as três questões que devem ser discutidas para que a lei seja afinada. Na alteração do CPA, Marcelo defende que também deve ser discutido quais os graus de parentesco a que devem estender-se as limitações das nomeações. As regras em vigor prevêem «proibições absolutas» no que diz respeito a pais, avós, filhos, cônjuges, irmãos ou uniões de facto. Há também «limitações mais ténues» aplicadas a tios e sobrinhos. Agora, explicou Marcelo, «a situação que se falou foi de primos». Por último, o Presidente defende que se deve debater o «controlo quando se trate, não da nomeação de familiares próprios, mas da nomeação de parentes por outros responsáveis políticos».
Medina não nomeou mulher mas a filha de um ministro, com quem veio a casar
Fernando Medina não tinha qualquer relação pessoal com a sua atual mulher quando a nomeou para o seu gabinete. O autarca de Lisboa, em resposta à notícia do SOL de que Stéphanie Sá Silva foi adjunta daquele que é hoje o seu marido num Governo de José Sócrates, explicou que em 26 de novembro de 2009, nomeou «para o seu gabinete Stéphanie Sá Silva, advogada especialista em matéria de concorrência numa reputada sociedade de advogados, não tendo com a mesma qualquer relação ou conhecimento pessoal prévio». Fernando Medina garantiu que, «em 31 de janeiro de 2011, por pretendermos ter uma relação pessoal, Stéphanie Sá Silva pediu a exoneração». Nessa altura, a atual mulher do autarca regressou ao seu lugar de origem na sociedade de advogados que integrava antes de ter sido nomeada. «Em nenhum momento tive qualquer interferência no desenvolvimento da sua carreira profissional», disse. Stéphanie Sá Silva é filha do ex-ministro da Agricultura (do Governo de José Sócrates) Jaime Silva, assumiu funções como diretora do departamento jurídico da TAP no início de maio de 2018 (ou seja, quando a transportadora já voltara a ter o Estado como acionista de referência).