Tiago Barbosa Ribeiro pertence à nova geração do PS, que agora começa a ocupar cargos de destaque e sempre foi defensora de entendimentos à esquerda. Coloca totalmente de lado uma coligação com o PSD e garante que a esquerda saiu desta experiência mais unida. Cresceu politicamente na JS – fez parte da direção nacional durante as lideranças de Duarte Cordeiro e Pedro Alves e liderou a concelhia e a Federação Distrital do Porto da Juventude Socialista. Nesta entrevista garante que ninguém arranja «um bom emprego» por entrar para uma juventude partidária e desvaloriza a polémica com as ligações familiares dentro do Governo que atingem alguns dos seus amigos. Liderou o PS/Porto até janeiro de 2018 e faz parte da Comissão Política Nacional do PS. É deputado e o responsável pelas questões relacionadas com o trabalho e Segurança Social.
Foi defensor desta aliança entre o PS e os partidos de esquerda. Correspondeu às suas expectativas esta experiência inédita?
Sem dúvida. Sempre defendi que a impossibilidade do PS se entender com outros partidos da esquerda parlamentar era um anacronismo que limitava as condições da governabilidade. Felizmente foi possível romper com os muros que se mantinham teimosamente desde o PREC. Acredito que qualquer tipo de entendimento do PS com a direita, naquele contexto e com a carne viva dos anos de chumbo da troika, levaria os socialistas portugueses a um destino não muito diferente do que se abateu sobre vários dos nossos partidos-irmãos. Esta experiência demonstrou que era possível fazer melhor e fazer diferente, convergindo em torno de um programa de desempobrecimento nacional.
O PS governa melhor com este tipo de solução do que com uma maioria absoluta?
Não coloco as coisas nesses termos. O PS demonstrou sobretudo a sua centralidade no sistema político português e afigura-se hoje como um garante da estabilidade com diálogo interpartidário, tendo já evidenciando ao longo da sua história que é capaz de governar de acordo com as condições que os portugueses lhe dão.
Jerónimo de Sousa já afirmou várias vezes que este Governo não é de esquerda. Concorda?
Tenho o máximo respeito e consideração por Jerónimo de Sousa, mas tenho muita dificuldade em levar a sério essa afirmação. Creio que o PCP, que votou favoravelmente todos os Orçamentos do Estado da legislatura, não o teria feito se o Governo não fosse de esquerda. Em todo o caso não devemos ficar excessivamente preocupados com esse tipo de carimbos. Há uma parte da esquerda que perde muito tempo à procura de uma certa purificação ideológica, de uma esquerda superlativa que nunca chega, mas parece-me que o campeonato das medalhas do bom esquerdismo não interessa nada aos portugueses.
Também não deve concordar com Catarina Martins quando compara António Costa a Passos Coelho…
A comparação, que dizia respeito ao sistema financeiro, é injusta e insultuosa. Ou então chegámos à conclusão de que o BE poderia apoiar um Governo liderado por Passos Coelho, o que não me parece crível. Vamos, portanto, remeter essa declaração para um excesso do debate político.
Teme que a campanha eleitoral possa estragar a boa relação que passou a existir entre o PS e os parceiros de esquerda?
Não. É normal e expectável que em campanha eleitoral cada partido procure maximizar a sua mensagem e, por vezes, surjam disputas mais focadas na espuma dos dias. A experiência desde 2015 mudou a esquerda portuguesa. Tivemos fortalecimento de laços e de dinâmicas comuns, de dificuldades também. E como todas aprendizagens, trata-se de um ganho que nunca mais será perdido.
Esperava que houvesse tantas greves e tanta contestação a este Governo?
Vivemos o essencial da legislatura num clima de grande paz social. Alguma da contestação social mais recente não pode ser desligada do contexto eleitoral deste ano, mas há sobretudo uma grande diferença em relação às greves de outros períodos: não vai encontrar uma única greve convocada por causa de um compromisso que o Governo não tenha cumprido, porque isso não aconteceu, e não vai encontrar nenhuma greve defensiva, baseada na contestação a cortes de direitos ou rendimentos. É precisamente o contrário e isso é a melhor prova do sucesso destes anos.
O ideal é que a chamada ‘geringonça’ se repita, se o PS vencer as eleições, ou pode haver outras soluções?
O ideal é que o povo português vote e, com o seu voto, mostre aquilo que pretende. Os partidos não são donos dos votos e não vai encontrar nenhum que não queira ter o maior número de votos numas eleições.
Uma coligação com o PSD deve estar afastada?
Deve, absolutamente. O PSD não tem lepra, mas é muito importante que os portugueses tenham duas alternativas muito claras à esquerda e à direita. Essa é a nossa melhor defesa contra populismos e contra a instabilidade do sistema político. Num contexto de normalidade democrática, PS e PSD não devem contribuir para qualquer solução de bloco central. Um centro pastoso e difuso nada acrescenta à vida política portuguesa. Não quer isto dizer que não se devam procurar acordos sempre que possível, como aliás temos vindo a fazer, mas esses acordos não têm uma validade política superior às diferenças entre cada partido. E essas diferenças são fundamentais para a vitalidade da nossa democracia.
Espera que o PS tenha um resultado melhor do que nas últimas europeias depois de António Costa ter considerado que 31,4% era «poucochinho»?
Espero que tenha o melhor resultado possível e que aumente o número de eurodeputados em relação às últimas eleições.
Há dois ex-ministros na lista do PS. Isso quer dizer que o Governo está a ser avaliado nestas eleições?
O Governo está sempre em avaliação e, queiramos ou não, os momentos eleitorais são sempre barómetros que testam o vigor do executivo. Em todo o caso, o Governo será avaliado oportunamente. Para já, é importante que o PS tenha uma boa votação porque tem uma excelente lista ao Parlamento Europeu, porque tem um pensamento que rompe com a ortodoxia do PPE e porque os votos nos socialistas são fundamentais para reforçar o bloco progressista europeu num cenário de crescente radicalização da direita europeia.
Teme que nestas eleições se discuta mais os temas nacionais do que as questões europeias?
É possível mas não desejável, embora o progressivo afastamento dos cidadãos em relação às matérias europeias não seja um exclusivo português. Merece reflexão. Há um défice de escrutínio democrático na atual arquitetura europeia não por demissão dos europeus, mas porque essa participação não se faz em torno da disputa de alternativas. Durante demasiados anos fomos um bom aluno que confundiu pensamento europeu com obediência aos mais fortes da Europa, mesmo quando isso foi contrário aos interesses nacionais, como durante os anos de governação de Passos Coelho. Ora, a melhor forma de mobilizarmos os portugueses para o voto no PS nas europeias é demonstrar que os socialistas são quem melhor defende Portugal na Europa, participando nela de forma crítica e construtiva, cruzando a dimensão nacional com uma perspetiva de pensamento e intervenção na Europa.
A remodelação do Governo deu mais protagonismo à nova geração do PS. O que acha que a sua geração pode trazer de novo?
Cada geração transporta consigo o melhor do espírito do seu tempo e é decisivo que o PS, como todos os partidos e organizações, procurem abrir-se continuamente a novos protagonistas, a novas formas de estar e intervir. Fico muito contente pelo primeiro-ministro entender isso e chamar para o seu Governo alguns desses protagonistas. Vários são meus amigos e camaradas de uma jornada já não tão curta assim no PS, que dão sólidas garantias de futuro ao nosso partido. E permitem outra coisa: permitem dar responsabilidades no campo da governação socialista a uma geração que cresceu de certa forma como filha de uma traição, quando os socialistas europeus guinaram à direita e se deixaram encantar pelo liberalismo da terceira via e seus derivados. Essas opções levaram quase todos os partidos socialistas europeus a uma hecatombe. Crescemos politicamente na crítica a essa capitulação da esquerda socialista e por isso somos especialmente ciosos do caminho a percorrer.
As relações familiares dentro do Governo têm gerado muita polémica. Não o preocupa a existência de tantos casos de pessoas que têm ligações familiares?
Não quero acrescentar ruído a essa polémica do momento. Parece-me importante que sejam definidas linhas legais claras para os critérios de nomeação que hoje estão delimitados essencialmente pelo bom senso e pela ética republicana. Admito que seja importante rever o atual enquadramento, abrangendo todos os órgãos e instituições. Em relação à sua questão, é sabido que não houve nenhuma novidade nas relações familiares no Governo entre 2015 e 2019: são quatro. Amplificar isso por causa de algumas nomeações de confiança política num universo de centenas de pessoas não é sério. Até ao momento, sabemos de um caso que suscitou e, bem, uma demissão. Os gabinetes do Governo são formados por relações de confiança pessoal e política, como não poderia deixar de ser, mas sobretudo por uma característica fundamental: competência. É a primeira de todas. Ninguém quer ter um mau profissional consigo.
Mas o secretário de Estado Carlos Martins fez bem em demitir-se…
Obviamente. Ninguém deve nomear um familiar direto para trabalhar consigo. O povo tem o legítimo direito de escrutinar como são escolhidas as pessoas, vamos a isso: criemos regras, legislemos se necessário. É o que a oposição pede? Não. Infelizmente o que temos visto não é isso. É uma política de pequenos casos certamente instigada por quem não tem mais nada do que falar. E com o desemprego em mínimos de 2002, o défice em mínimos históricos, a economia a crescer e os rendimentos a aumentar, eu se estivesse na oposição talvez também não tivesse mais nada para dizer.
Alguns casos conhecidos não dão razão àqueles que dizem que as juventudes partidárias ajudam a arranjar um bom emprego?
Não. E se alguém pensa em inscrever-se numa juventude partidária para arranjar um bom emprego, então vai ter uma grande desilusão.
Votou a favor de uma proposta do PAN para acabar com as touradas nesta legislatura. O que o faz defender que este espetáculo não deve existir?
O bem-estar animal e a evolução das sociedades. Não faltam tradições que foram sendo adaptadas e em alguns casos abandonadas por serem incompatíveis com valores que se enraizaram nas sociedades. Hoje temos uma relação com os animais que não é a mesma que existia há 100 ou 200 anos e ainda bem que assim é. Essa evolução é correlativa de outras. Violentar animais, fazê-los sangrar e sofrer, não é algo que nos dignifique. Devemos abandonar essa prática precisamente porque somos seres racionais, com consciência dos nossos atos. Não se trata de humanizar os animais. Trata-se mesmo de sermos humanistas.
A maioria dos deputados é contra o fim das touradas e mesmo dentro do PS há uma maioria a favor da continuidade deste espetáculo. Acredita que as coisas se podem alterar?
Não sei se é assim. Sei que há uma enorme maioria da população que não vai a touradas e não se revê em maus tratos a animais. Vários deputados do PS votaram favoravelmente projetos pela abolição das touradas, mesmo sabendo que não teriam sucesso naqueles termos. Há muita gente no PS contra e a favor, como noutros partidos. O que temos é de respeitar essas posições, debatermos, não entrarmos em falsas dicotomias culturais ou regionais e percebermos o caminho que temos feito. Os deputados que aprovaram o estatuto jurídico dos animais, que acabaram com os animais nos circos e que criminalizaram os maus tratos a animais já anteciparam o caminho que devemos fazer.
Quem gosta deste tipo de espetáculo não tem direito a assistir?
E quem gosta de lutas de cães? E lutas de galos? E ver o touro morrer na arena? E quem gosta de animais nos circos? E esfolar animais vivos? Qual é a fronteira? A matéria não é de gosto quando envolve maus tratos para entretenimento humano: isso é inaceitável e deve ser progressivamente eliminado. É só isto que está em causa. Não tem a ver com alimentação humana, não tem a ver com qualquer dicotomia entre o mundo rural e o mundo urbano. A maior praça de touros do país está em Lisboa. Tem a ver com as pessoas pagarem bilhete para assistir a um animal ser picado, sangrado, violentado, sujeito a todo o tipo de agressões. Podem dar as voltas que quiserem, colocar a banda a tocar e engalanar as bandarilhas, que o sangue não deixará de jorrar. Ora, isso é perturbador e incompatível com a evolução cultural que temos feito como sociedade, como coletivo.