“As nossas escolas não são laboratórios e as nossas crianças não são ratinhos”

Após críticas do PSD e CDS, Governo Após críticas do PSD e CDS, Governo esclarece que quer proteger as crianças. “Não é um despacho sobre casas de banho”.

Potenciador de “fenómenos de bullying e violência escolar” e “desrespeitador da liberdade” de ensino é como o PSD e o CDS caracterizaram o despacho sobre a aplicação da lei da identidade do género nas escolas públicas e privadas.

Publicado em Diário da República, na passada sexta-feira, com entrada em vigor no dia seguinte, o conjunto de medidas administrativas pensadas para os alunos transgénero e transexuais gerou uma onda de críticas e até já conta com uma petição contra as normas – com mais de 24 mil assinaturas – devido, sobretudo, às orientações que estabelecem que as crianças e jovens que não se identificam com o seu género biológico tenham acesso a casas de banhos e balneários neutros.

Um dia após a polémica ter estalado, o CDS foi o primeiro partido a tomar uma posição, considerando que o despacho impede a liberdade das escolas de terem o seu próprio projeto educativo. “É desrespeitador da liberdade porque há um princípio constitucional de liberdade de aprender e ensinar que pressupõe que cada escola tenha direito a desenvolver o seu projeto educativo”, disse João Almeida, esta quinta-feira, em declarações à agência Lusa.

O deputado centrista também afirmou que o despacho é “ridículo” e “irresponsável”, porque “promove um experimentalismo social que não faz sentido em meio escolar”.

O PSD questionou também a constitucionalidade do polémico despacho, pedindo esclarecimentos ao Ministério da Educação. Os sociais-democratas exigiriam saber se “o Governo ponderou se estaria a colocar em causa o princípio constitucional segundo o qual o Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas” aquando da elaboração do despacho.

Os sociais-democratas defendem que estas orientações poderão agravar “fenómenos de bullying e violência escolar” e promover “tensão junto das comunidades escolares que em nada beneficia o processo de aprendizagem”.

Mais, os sociais-democratas consideram que estas medidas são “um reflexo da imposição de uma agenda ideológica de esquerda radical que está a ser imposta às escolas”.

O partido de Rui Rio reforçou ainda que estas novas regras “não salvaguardam o direito de todas as crianças à sua intimidade e singularidade”, sendo “impraticável operacionalmente que as escolas públicas tenham possibilidade de garantir que todas as crianças possam ter direito à sua individualidade e intimidade, quer crianças e jovens que se identificam com o seu género quer não”.

Além destas críticas, o PSD acrescenta que as orientações “violam a autonomia das escolas”; “não garantem o livre desenvolvimento da personalidade de todas crianças e jovens” e “não contribuem para a não discriminação em ambiente escolar”.

 

Ratinhos de laboratório

Fernando Negrão, líder da bancada parlamentar dos sociais-democratas, reforçou a posição tomada pelo partido enfatizando que o Governo socialista faz experiências com as crianças portuguesas. “As nossas escolas não são laboratórios e as nossas crianças não são ‘ratinhos’ de laboratório”, escreveu o deputado no Facebook.

Negrão considerou ainda que o Bloco de Esquerda “tomou conta do PS” e, por isso, é preciso evitar que “o PS tome conta do país”. Com o mesmo argumento, Rui Rio declarou que o Governo fez “um despacho de perfil bloquista, semeando a confusão nas escolas e nos pais”, pode ler-se no Twitter do dirigente.

O Chega aproveitou o momento para também informar, ontem à tarde, que pediu uma audiência com o Presidente da República para “pedir o seu apoio na “suspensão imediata deste despacho” e que “está a preparar uma providência cautelar” para interpor “urgentemente com a finalidade de travar” as referidas orientações, anunciou o partido num comunicado. O movimento liderado por André Ventura congratulou ainda o PSD e o CDS por “finalmente, ao fim de um ano, terem acedido à voz da razão, juntando-se ao Chega na firme oposição a esta perigosa lei”, acabando por convidar ambos os partidos a “se agregarem” a esta ação judicial.

 

“Alarmismo social”

Na sequência das críticas da direita, o secretário de Estado da Educação, João Costa, fez um esclarecimento, durante a tarde de ontem. Afirmando que a polémica instalada foi alimentada por “pseudo-factos”, João Costa sublinhou que “o que o despacho prevê é a proteção e a salvaguarda das crianças transexuais ou em processo de transição de género que existem nas nossas escolas”, acrescentando que “não é um despacho sobre casas de banho”.

O secretário de Estado, em declarações aos jornalistas, asseverou ainda que “por muito que irrite alguns, estas crianças existem e, por isso, merecem ver os seus direitos salvaguardados”. Sobre as críticas, João Costa referiu que as apreciações negativas feitas por “dirigentes partidários” apenas criaram “ruído” e “um clima de alarmismo social em torno desta questão”.