A primeira semana de campanha eleitoral acabou crispada com a acusação do processo de Tancos: António Costa considerou que a reação do seu principal adversário, Rui Rio, «atingiu a dignidade da campanha», depois de ter sido surpreendido pelo tom do líder do PSD.
O SOL apurou, entretanto, que o líder socialista ficou particularmente contrariado por ver o seu nome associado à ideia de que teria alguma responsabilidade numa alegada encenação para envolver o nome do Presidente da República no caso de Tancos. E daí que o seu tom tenha sido ainda mais duro com o líder do PSD. Costa não quer atritos com Belém nem mais problemas com Tancos.
O regresso do ‘diabo’
Mas vamos por partes. A campanha começou relativamente morna para os lados do PS, e o primeiro-ministro até decidiu insistir no alvo contra os indecisos, assestando baterias a Rui Rio. Chegou a bipolarização do debate.
O discurso de António Costa num comício em Loulé trouxe à agenda uma expressão improvável, a do ‘diabo’. É preciso recuar três anos e lembrar um aviso de Passos Coelho (antecessor de Rio) a avisar que o ‘diabo’ – uma nova crise ou contas descontroladas – poderiam vir por aí. Não veio. A direção do PSD, com Rio, distanciou-se desse discurso, mas Costa atacou-o agora por aí. «Nós conhecemos bem aqueles que diziam que nada disto era possível, porque fazendo tudo isto vinha aí o diabo. Nada nos garante que, com tanto medo do diabo, não façam isto tudo andar para trás», declarou Costa. O andar para trás seria a redução dos preços dos passes sociais desaparecerem, cortes nas pensões ou até um eventual aumento de impostos. O discurso tinha um objetivo: mobilizar os eleitores socialistas e, sobretudo, quem está indeciso ou prefere ficar em casa e abster-se, na defesa da estabilidade política.
Com a acusação do processo de Tancos, relacionado com furto e a recuperação de armas, Costa percebeu que o tema não iria sair da campanha, tentou escapar, separando as águas entre Justiça e Política. Mais, mostrou-se indignado com a posição de Rui Rio a considerar «pouco crível» que um primeiro-ministro não soubesse, pelo seu ministro da Defesa, de uma ação de encenação de recuperação das armas.
Azeredo Lopes foi acusado no processo e não falta, entre os socialistas, quem já o responsabilize pelo facto de a maioria absoluta ter ficado bem mais difícil.
Mas a verdade é que a ordem no aparelho é para ninguém descansar na mobilização de militantes e simpatizantes. Por isso, há quem tenha montado call-center nas estruturas para ligar a militantes, outros recebem SMS personalizados para alguns eventos, e, por fim, também existem grupos no Whatsapp. Tudo em nome da maioria absoluta.
Rio não abdica de explicações do 1.º-ministro
O PSD arranca para a segunda semana de campanha oficial com as expectativas em crescendo e com um brinde inesperado: a acusação no caso de Tancos. O presidente social-democrata, Rui Rio, agarrou o tema e surpreendeu o primeiro-ministro ao afirmar que todos os cenários eram maus para António Costa: quer o chefe de Governo soubesse ou não da alegada encenação da recuperação das armas roubadas em Tancos. Rio atacou o seu adversário (com quem tinha uma relação bastante cordial) e deixou marcas, sinalizando que não pretende abandonar o caso sem respostas. Por isso, o PSD vai pedir uma reunião da comissão permanente do Parlamento.
«António Costa gostaria que ninguém falasse deste caso e que passasse despercebido», atirou ontem Rui Rio, numa reação aos ataques do primeiro-ministro sobre a ‘dignidade da campanha beliscada’. Rio foi mais longe e tentou desestabilizar o adversário ao acrescentar que Costa talvez não tivesse ouvido bem o que disse quando o criticou por mudar de posição e de princípios. Em causa estava um caso de Justiça. Mas o líder do PSD tentou contrariar qualquer ideia de incoerência, porque o caso é político e, em campanha, não contam só os programas eleitorais. O comportamento dos políticos também.
O líder social-democrata diz que se referiu a um SMS do ex-ministro da Defesa, Azeredo Lopes, ao deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro, a admitir que «sabia» da recuperação das armas, ou seja, do processo de encenação da recuperação das armas. E daqui o líder do PSD não sairá. Isto porque será preciso avaliar o que fazer, caso se comprove, em tribunal, que o ex-ministro da Defesa mentiu à comissão de inquérito sobre o caso. Na altura, Azeredo assegurou não saber de qualquer operação de encenação para a recuperação das armas roubadas em Tancos.
Entre sociais-democratas ouvidos pelo SOL sobre a reação de Rio há um registo de elogios , mas também alertas para que o caso não se vire contra os sociais-democratas por eventuais críticas de aproveitamento político de um caso judicial (um tema caro a Rui Rio). A gestão de caso de Tancos pelo PSD foi a surpresa da campanha ‘laranja’, com possíveis custos futuros na relação com António Costa. Mas o discurso de Rio para a fase final da corrida eleitoral está definido: apostar nos indecisos.
Campanha sem ‘barões’
A campanha é, sobretudo, focada na personalidade de Rio, que se define como alguém que é politicamente incorreto quando é preciso. E a prova disso mesmo é a de que não teve dificuldade em chamar ‘hipócritas’ aos críticos internos que aparecem na fase final para mostrar a unidade no PSD.
Este fim de semana não é expectável que entrem notáveis do PSD na campanha com o líder.
A versão oficial é a de que a direção de campanha não fez convites formais, mas foi enviada toda a informação do programa da volta do líder para os órgãos nacionais, onde se incluem os ex-líderes ou ex-primeiros-ministros. Ou seja, aparecerá quem quiser nas ações de campanha social-democrata. Assim, a gestão de convites a ex-líderes fica na mão, exclusivamente, de Rio. Que já terá começado a fazer alguns contactos.
Rio já disse que até pode cair, mas cai de pé e a expressão foi interpretada como um sinal de que já tinha assumido a derrota eleitoral. Na reta final de campanha, o PSD arranca no norte do país e, no próximo dia 30, Rio terá um dos poucos jantares de campanha. Será talvez o único na versão tradicional das campanhas do PSD. Na Quinta da Malafaia, em Esposende, distrito de Braga, são esperadas mais de 2 mil militantes num jantar que custa 5 euros por pessoa.
Rio prometeu uma campanha diferente, mas não propriamente revolucionária e as estruturas locais receberam, inclusive, um manual para saber com o que contam. Por exemplo, no modelo Talos ( as sessões de perguntas), Rio pode responder até 18 perguntas ao lado de um convidado. As iniciativas foram marcadas a pensar numa campanha para «alimentar» o espaço televisivo e Rui Rio espera chegar à meta final, no dia 6 de outubro, com um resultado que contrarie as primeiras sondagens antes do arranque da campanha.
No PSD, entretanto, já se fazem contas as vários cenários entre os potenciais candidatos à liderança do partido. E só há uma certeza: Rio terá oposição assumida e eleições internas até fevereiro de 2020. Agora, tudo dependerá do resultado eleitoral.