António Costa parece que, desta vez, pôs mesmo a família à frente de tudo o resto.
Porque a primeira regra que terá imposto (e autoimposto) na formação do novo Governo foi com toda a certeza ‘no jobs for the boys and the girls… in the family’.
O ‘familygate’ foi dos temas politicamente mais embaraçantes e complicados de gerir para António Costa na última legislatura e o próprio Presidente da República foi dando a entender que seria melhor o primeiro-ministro ter cuidado com as ligações familiares na hora de lhe apresentar as suas novas escolhas.
Marcelo Rebelo de Sousa não o disse expressamente mas foi-o deixando implícito sempre que se pronunciou sobre o assunto. Porque também ele ficou embaraçado.
A primeira vítima, por antecipação, foi Vieira da Silva.
O ministro do Trabalho e da Segurança Social – um dos políticos com mais tempo em funções governativas depois do 25 de Abril (num total de 13 anos entre os Governos de António Guterres, José Sócrates e António Costa) – anunciou cedo a sua indisponibilidade para voltar a assumir qualquer pasta ministerial em próximos Executivos.
José António Vieira da Silva deixa, assim, caminho aberto para a continuidade da filha, Mariana Vieira da Silva, ministra da Presidência após a saída de Maria Manuel Leitão Marques para as listas de candidatos do PS ao Parlamento Europeu e uma das conselheiras mais próximas do secretário-geral socialista.
A segunda foi Ana Paula Vitorino, cuja continuidade no Mar é sacrificada, enquanto o marido, Eduardo Cabrita, do inner circle de António Costa desde as lutas estudantis na ‘Clássica’ (Faculdade de Direito de Lisboa), mantém-se como ministro.
A terceira ‘vítima’ é Ana Catarina Mendes. Ministeriável, a até aqui secretária-geral adjunta socialista não entra, afinal, para o Governo e antes vai ocupar o lugar que foi de Carlos César: a liderança da bancada parlamentar socialista.
A ida de Ana Catarina Mendes para a liderança da bancada parlamentar não deixa de ser uma jogada de Costa para… o processo de sucessão. Com Fernando Medina fragilizado e Pedro Nuno Santos com a força da ala esquerda socialista, a verdade é que este fica na sua dependência direta e colado ao Governo, enquanto a líder parlamentar ganha espaço e palco para se constituir como alternativa interna àquele, como candidata da ala moderada e pragmática que António Costa hoje representa.
No Executivo vai continuar o seu irmão, António Mendonça Mendes, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que se diz que continuará mesmo que Mário Centeno venha a sair para governador do Banco de Portugal quando terminar o mandato de Carlos Costa – sendo que o ministro das Finanças e presidente do Eurogrupo nunca escondeu o seu gosto pelo cargo no banco central e sendo que, também, a sua principal rival nesta sucessão, Elisa Ferreira, acaba de ser indigitada comissária europeia e está, portanto, afastada da corrida.
Dado o exemplo – ou melhor, os exemplos – pelo chefe do Governo, ministros e secretários de Estado deverão obedecer aos mesmos princípios e não furar a regra.
Até porque, como escreveu ao tempo o constitucionalista Vital Moreira no blogue Causa Nossa, «o número conta». Ou seja, para continuar a citar Vital, uma coisa são casos isolados, outra é «quando a frequência das ocorrências deixa perceber um padrão de conduta comprometedor».
Tratando-se de um antigo eurodeputado socialista casado com uma ex-ministra e agora eurodeputada do PS, Maria Manuel Leitão Marques, tem ainda mais significado a sua crítica.
Ora, se Costa quer cortar o mal pela raiz e ele próprio deu o exemplo, é porque vai tudo a eito.
E, mais uma vez citando Vital, é bom que ministros e secretários de Estado tenham a consciência de que, «hoje em dia, os novos meios de informação e o maior escrutínio e maior sensibilidade do público tornam estes assuntos especialmente delicados».
Pois é. E se o gabinete do primeiro-ministro já uma vez foi forçado a proceder ao levantamento de todos os casos existentes no Governo – passando a pente fino os gabinetes ministeriais e dependentes –, é quase certo e sabido que agora o tornará a fazer… preventivamente.
Até porque é mais do que certo que Costa fez acompanhar os convites do aviso – certamente parecido com aqueloutra conclusão de Vital Moreira no mesmo artigo – de que «toda a imprudência será castigada».
Assim seja. Ao menos desta vez e para que a Legislatura não comece já mal.