O parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República divulgado, esta terça-feira, onde foi determinado que os superiores hierárquicos do Ministério Público podem intervir nos processos-crime e podem "modificar" e "revogar decisões anteriores, limitando assim a atuação dos magistrados que estão apenas autorizados a desobedecer no caso de uma "ordem ilegal" ou uma "grave violação da consciência jurídica", está a gerar polémica e reações bastante negativas à diretiva da procuradora-geral Lucília Gago.
Rui Cardoso, antigo presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, escreveu na sua página do Facebook que o dia 4 de fevereiro tornou-se "o dia mais negro da história democrática do Ministério Público português" visto este ter "morrido como magistratura". "Nasceu uma verdadeira autocracia, com um nível de hierarquia quem nem na administração pública existe" acrescentou na publicação.
"Todos os agentes do Ministério Público (que não mais podem ser chamados de magistrados) são apenas uma longa mão da vontade do/a Procurador/a-Geral da República. Este/a, nomeado/a pelo Presidente da República por proposta do Governo, passa a ser diretamente responsável por tudo o que sucede no Ministério Público: pelo que ordena, pelo que devia ter ordenado, pelo que permite, pelo que não impede. É sua a única vontade relevante", escreveu.
Também o advogado Miguel Matias disse que esta decisão "transformou" o Ministério Público e que o tornou um refém político. "A partir de hoje acabaram as investigações a políticos os quais, habilmente, vão indicar para PGR quem os ajude, proteja e impeça o MP de investigar", disse, em declarações à revista Sábado.
O actual presidente do sindicato do MP, António Ventinhas, considerou "gravíssima" a decisão da PGR. "Este parecer revoga o que foi definido pela anterior PGR, é o fim da magistratura como a conhecemos até agora", disse António Ventinhas, em declarações ao Expresso. "De futuro não se saberá se quem assina as peças processuais é efectivamente o autor ou se um superior hierárquico na sombra a dar ordens no processo, sem qualquer conhecimento dos juízes ou dos advogados. É gravíssimo".
O caso foi desencadeado pelos procuradores Vítor Magalhães e Cláudia Porto que queriam ouvir como testemunhas do processo de Tancos o Presidente da República e o primeiro-ministro mas foram impedidos pelo então diretor do Departamento Central de Investigação Penal Albano Pinto que invocou a “dignidade e o prestígio do cargo” de ambos para impedir as audições.