Ainda não entrou em vigor o Orçamento de Estado de 2020, mas o Governo já está a pensar no seu retificativo. Os economistas ouvidos pelo SOL admitem que o Orçamento Retificativo terá de entrar quase imediatamente em vigor assim que o Presidente da República promulgar o documento original, uma vez que entendem que as previsões iniciais estão ultrapassadas tendo em contas as medidas lançadas para combater a pandemia novo coronavírus. A opinião também é unânime em relação à necessidade de Mário Centeno permanecer na pasta das Finanças.
«Assim que entre em vigor o Orçamento vai ter de ser substituído porque a versão original não contempla o aumento de despesa exponencial que vamos assistir, com a subida das prestações relacionadas com os subsídios de desemprego e apoios sociais», refere Luís Mira Amaral ao SOL.
O economista admite mesmo que o «Governo não tem consciência do esforço financeiro que vai ter de fazer», nomeadamente no que diz respeito à quebra de receitas e no esforço dos apoios financeiros.
Uma opinião partilhada por João Duque ao admitir que há rubricas que poderão ter de passar de uma categoria para outra, sem mexer na despesa global. No entanto, lembra que há receitas que o Governo estava a contar e que não vão ‘entrar’. Um desses exemplos diz respeito à receita do IVA e do ISP. «O Governo vai sentir uma enorme pancada no que diz respeito ao consumo e não vai ficar por aqui. Também as receitas do IRS porque com a eliminação dos postos de trabalho que vamos assistir, já que as contribuições vão cair a pique», refere o economista ao SOL.
Já para Pedro Ferraz da Costa «o Orçamento Retificativo vai coincidir quase com a preparação da elaboração do Orçamento do Estado para 2021», um situação que, no entender do economista, vai ser «muito complicada», incluindo do ponto de vista político. «Não sabemos o que é que vamos fazer de retificativo e, por altura do verão, com este grau de incerteza brutal, deveríamos estar a preparar o orçamento de 2021 e se calhar ainda vamos estar a discutir o Orçamento de 2020 e a pô-lo funcionar», refere Ferraz da Costa ao SOL.
Também para António Saraiva, presidente da CIP, o cenário de um Orçamento Retificativo «será inevitável», admitindo que os apoios que até agora anunciados vão ser insuficientes e será «preciso avançar com mais medidas».
O que é certo é que o próprio ministro das Finanças deixou em aberto a hipótese de o Governo ter de avançar com um Orçamento Retificativo. «Não estamos em tempos normais, não estamos em tempo de poder pôr em causa aquilo que é a execução destas medidas e de outras que venham a ser necessárias — os orçamentos retificativos sempre mesmo para isso», revelou Mário Centeno, esta semana, em conferência de imprensa.
O governante deixou uma garantia: «Vamos, num contexto de enorme incerteza, tentar aclarar essa incerteza conforme os acontecimentos se desenvolverem e reagir. Estaremos disponíveis para considerar extensões desta estratégia conforme formos acompanhando esta situação», disse, lembrando que não estamos a falar de uma crise estrutural.
A verdade é que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou esta sexta-feira a suspensão das regras de disciplina orçamentária da UE, uma nova medida que permitirá aos Estados membros gastar o quanto for necessário para combater as consequências económicas do coronavírus. Trata-se de uma decisão inédita. «É uma medida nova, isto nunca foi feito antes», disse von der Leyen um vídeo publicado no Twitter.
Apoios de três milhões
A contribuir para esta incerteza estão aos apoios dirigidos aos setores mais atingidos pelo impacto da covid-19. Em causa está uma linha de crédito de três mil milhões de euros, destinada aos setores mais atingidos. «Tratam-se de medidas excecionais. O Governo encontra-se fortemente empenhado em adotar todas as medidas que se mostrem necessárias para combater esta pandemia e para fazer face às suas consequências», revelou o ministro das Finanças.
Siza Vieira esclareceu que deste montante, 600 milhões de euros destinam-se à restauração e similares, dos quais 270 milhões são para micro, pequenas e médias empresas. O turismo e agências de viagens terão 200 milhões de euros – 75 milhões para microempresas e PME –, enquanto os hotéis e empreendimentos turísticos terão 900 milhões de euros – 300 milhões para micro e PME. Já as indústrias extrativa, têxtil, de vestuário e de madeira contarão com uma linha de 1300 milhões de euros, dos quais 400 milhões para as micro e PME.
Segundo o ministro da Economia, estas linhas de crédito serão disponibilizadas através do sistema bancário. Os empréstimos terão um período de carência de pagamentos até ao final do ano e amortização em quatro anos.
O Governo prometeu avançar, ainda no segundo trimestre deste ano, com uma «flexibilização do pagamento de impostos e das contribuições sociais». E essa medida aplica-se também aos trabalhadores independentes. «Esta flexibilização permite que na data de vencimento da obrigação de pagamento, a mesma possa ser cumprida nas seguintes formas: ou pagamento normal; ou pagamento fracionado em três prestações mensais sem juros; ou pagamento em seis prestações com juros apenas aplicáveis às últimas três», esclareceu Centeno.
O Governo suspendeu também por três meses os processos de execução que estejam em curso ou que venham a ser instaurados.
Centeno tem de ficar
Para os economistas contactados pelo SOL, nesta fase de incerteza Mário Centeno terá de ficar na pasta das finanças. «Uma mudança de ministro das Finanças no meio desta confusão toda, tudo isso acho que vai ser complicado. É preciso que Mário Centeno esteja interessado em ficar», revela ao SOL Ferraz da Costa, acrescentando que «uma mudança, numa circunstância destas, vai ser difícil. Ele tem, indiscutivelmente, uma autoridade que foi construindo. É visto como um caso de sucesso e quem entrasse teria de se afirmar e iria ser muito complicado».
Também para Mira Amaral, uma substituição, nesta altura, «seria muito complicada». Uma opinião partilhada por João Duque ao lembrar que o ministro das Finanças «aproveitou-se da conjuntura extraordinária para mostrar o seu trabalho e ser considerado o Ronaldo das Finanças, sem nunca dizer que o défice para que fosse controlado, significou o estrangulamento do investimento público». E deixou um recado: «Se é tão bom não é agora que vamos desperdiçar um ativo daqueles».