Disse em abril que iríamos ter uma grande recessão em Portugal devido à covid-19. Quais são as consequências para a economia portuguesa?
As consequências são as normais de uma recessão. É uma recessão profunda, em termos de perda de PIB anual e será provavelmente a maior perda anual que tivemos talvez desde a II Guerra Mundial. O FMI prevê uma queda da ordem dos 8% do PIB, a Comissão Europeia divulgou esta semana as previsões, que são um pouco mais moderadas, aponta para 6,8%, mas não me admiraria que a recessão pudesse atingir os 10%. Vai depender muito da forma como o desconfinamento vai correr e como a recuperação da economia irá reagir a esse desconfinamento. Tivemos cerca de mês e meio, dois meses, de perda acentuada de PIB, houve uma quebra grande. Não terá sido inferior a 4% por mês, o que significa que só a queda que se terá verificado durante este período facilmente chegará aos 5%, 6% se mais nada acontecer. Como a recuperação, nos meses que se seguem, será provavelmente insuficiente para recuperar toda a atividade, mais não seja porque o setor do turismo – que muito nos habituámos a defender nos últimos anos – vai estar numa grande pressão durante muito tempo, pelo menos durante os próximos meses, para ser otimista, essa parte não vai recuperar. Como tal, é muito provável que a queda homóloga da economia no segundo semestre seja grande em termos homólogos e facilmente a queda ao longo do ano pode aproximar-se dos 10%. Mas, como digo, vai depender muito da forma como vamos reagir a seguir. As pessoas não vão voltar a consumir de um dia para o outro aquilo que não consumiram neste período todo. É provável que a intervenção compensadora do Estado com o aumento do gastos públicos, com programas de investimentos públicos, como provavelmente virão a acontecer, atenue a dimensão e pode ser que isso ajude a que a recessão não chegue aos tais 10%, mas possivelmente será a maior recessão de que temos memória.
Acha que as perspetivas do FMI são mais realistas que as da Comissão Europeia?
Isso seriam juízos especulativos. Nenhum dos dois sabe exatamente o que é que vai acontecer, cada um dos dois procura formular juízos com base na informação que tem. É normal. Temos sempre de lidar com a incerteza quando se fazem previsões. Nesta situação em particular, o nível de incerteza é muito grande porque afeta não apenas as variáveis nacionais como afeta todo o mundo. Temos todo o mundo na mesma situação. Normalmente quando nós atravessámos as crises, o resto do mundo estava em melhores condições. E conseguimos – ainda quando foi da última crise – contrapor a enorme quebra da procura interna que foi necessária para retornar o país à sua normalidade, desviar a oferta para o mercado internacional e através das exportações conseguiu-se minimizar o efeito da pressão da procura interna. Neste momento, estão todos os países na mesma situação que nós, uns mais, outros menos. O que significa que a possibilidade de escapatória é menor e o grau de incerteza é absolutamente maior até porque ninguém sabe o que é que vai acontecer com o desconfinamento e se vai haver ou não uma segunda onda de confinamento. Isto tudo para dizer que o grau de incerteza é muito maior e se as previsões já são, por natureza, falíveis – eu acrescento ‘felizmente’, mas isso já é um outro juízo – desta vez serão seguramente mais falíveis. Estar a dizer que uma é melhor do que a outra é muito especulativo.
Saber a duração e saber como vai ser a recuperação é quase aquela pergunta para um milhão de euros…
Há quem acerte no euromilhões, não quer dizer que tenha mais ciência do que os outros, quer dizer que o seu palpite teve mais sorte.
Acha que Portugal vai ficar pior do que nos tempos da troika ou esta crise tem características diferentes das anteriores?
Esta crise tem, obviamente, condições diferentes, do ponto de vista de ficar melhor ou pior. Há coisas nas quais estamos melhor. O facto de termos feito o ajustamento que fizemos no tempo da troika deixa-nos hoje numa posição menos vulnerável do que tínhamos quando entrámos nessa crise. Desse ponto de vista estamos melhor preparados. Do ponto de vista da dimensão da recessão, esta será muito provavelmente maior. Recordo que na crise que tivemos entre 2009 e 2014 caímos cerca de 6,5% em três anos. Este ano estima-se que podemos cair entre 7 a 8% e essas expectativas até podem ser otimistas, mas logo por aí percebe-se a dimensão que será seguramente maior. Provavelmente desde os anos 40 que não houve uma recessão desta dimensão num único ano.
Leia o artigo na íntegra na edição impressa do SOL. Agora também pode receber o jornal em casa ou subscrever a nossa assinatura digital.