Os resultados do primeiro rastreio serológico numa amostra de profissionais de saúde revelam que a exposição à doença nos últimos dois meses foi dez vezes superior à taxa de infeção identificada pelo teste de diagnóstico. Os testes foram feitos pela Fundação Champalimaud em parceria com a Ordem dos Enfermeiros numa amostra de enfermeiros e assistentes operacionais do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e do Hospital de Santo António, no Porto.
No Santo António, num universo de 359 enfermeiros e 258 assistentes operacionais, 8,4% acusaram positivo no rastreio serológico, em que são pesquisados anticorpos para o coronavírus que surgem após a infeção. A conclusão da equipa da Fundação Champalimaud é que o número de profissionais que esteve infetado é dez vezes superior aos casos identificados por diagnóstico viral, que apontaram nesta mesma amostra para uma taxa de 0,86%. Já em Santa Maria, num grupo de 355 enfermeiros e 188 assistentes, 6,5% acusaram anticorpos, um número 11 vezes superior.
Conhecidos os resultados, a Ordem dos Enfermeiros insiste na necessidade de testes periódicos aos profissionais. “Nunca concordámos que a testagem fosse apenas para os profissionais que apresentavam sintomas relevantes após uma exposição de alto risco e estes dados vieram comprovar cientificamente aquilo de que desconfiámos desde o início”, disse ao i a bastonária dos enfermeiros, Ana Rita Cavaco, defendendo uma revisão das normas da Direção Geral da Saúde e uma estratégia de testes regulares. Um pedido que já tinha sido feito pela ordem num conjunto de recomendações para a retoma da atividade no SNS, reforça.
Também a Ordem dos Médicos tem defendido rastreios regulares. Ao i, o bastonário dos Médicos adianta que estão a planear um estudo serológico nacional e numa amostra de 2500 médicos e defende que na nova etapa de retoma na atividade nos hospitais e centros de saúde, os testes devem ser alargados. “Nesta fase da pandemia, os principais locais em que a infeção vai ter a possibilidade de transmissão são os hospitais. Tendo em conta que na maioria das pessoas os sintomas são muito leves e há casos assintomáticos, os profissionais deviam ser testados pelo menos a cada duas semanas para prevenir o contágio mas também para transmitir à população que ir aos hospitais é seguro porque existem equipamentos de proteção e circuitos definidos e, se existirem profissionais de saúde infetados, não vão lá estar”.
Esta quinta-feira, o antigo presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, Miguel Oliveira da Silva, defendeu também o rastreio voluntário de profissionais de saúde assintomáticos. “Há muitas e várias razões consequentes que aconselham tal rastreio: desde o direito e vontade de saber, ao avanço do conhecimento (prevalências em amostras de risco auto-seleccionadas), passando por comprovada investigação em populações específicas, até ao efetivo e equitativo respeito mútuo numa relação médico-doente cujo risco de contagiosidade, sempre real e incerto, se deseja tão baixo quanto possível para ambos, algo que é prudente e eticamente defensável”, escreveu o médico no Público, defendendo o debate sobre uma questão “incómoda” e suscitando questões como quem deve pagar os testes quando os médicos trabalham no público e no privado ou se poderia existir uma perturbação dos serviços se muitos profissionais ficassem de quarentena. “É uma questão de saúde pública e segurança e esse não deverá ser nunca o argumento para não se testar: se for necessário, devem contratar-se mais profissionais”, diz Miguel Guimarães.
No briefing desta quinta-feira, questionado pelo i sobre se estão previstos rastreios regulares em creches, lares e outras instituições, o secretário de Estado da Saúde sublinhou que desde o início da epidemia foram feitos 584 mil testes no país. “Estamos a fazer um reforço e continuaremos a fazê-lo com base na estratificação de risco e segmentos de risco".