O Produto Interno Bruto (PIB) registou uma diminuição de 2,4% em volume no primeiro trimestre deste ano, relativamente a igual período do ano passado, depois de ter aumentado 2,2% no trimestre anterior. As contas foram divulgadas pelo Instituto Nacional de Estatística e já incluem o impacto do início do confinamento, que começou a meio de março.
Para André Pires, analista da corretora XTB, estes resultados não representam nenhuma surpresa: «Dada a paralisação prolongada do país e a vulnerabilidade da nossa economia a fatores externos, como a crise do mercado de petróleo, as tensões sino-americanas e os bloqueios generalizados no mundo, o PIB português viesse a cair fortemente», disse ao SOL.
Esta opinião também é partilhada por Pedro Amorim, analista da corretora Infinox: «Eram esperadas quedas maiores devido à paragem forçada da economia nos últimos dias do trimestre e, parecendo que não, terá impacto».
Segundo o gabinete estatístico, o contributo da procura externa líquida para a variação homóloga do PIB foi negativo neste primeiro trimestre em 1,4 pontos percentuais, depois de ter sido positivo no trimestre anterior, «traduzindo a diminuição mais intensa das exportações de bens e serviços que a observada nas importações de bens e serviços».
Mas também a procura interna registou um contributo negativo, algo que acontece pela primeira vez desde o terceiro trimestre de 2013, altura da Troika, «associada à diminuição do consumo privado e do investimento».
Questionado sobre se valores poderão ser piores daqui para a frente, Pedro Amorim não tem dúvidas: «Sem dúvida. Os mecanismos de contabilização dos dados referentes aos primeiros 15 dias irão mostrar o real impacto que tivemos. Não é uma questão de bruxaria, é uma questão matemática. Nos próximos trimestres poderemos ver estes números agravarem-se devido à nossa dependência no comércio interno», garante.
As contas do INE explicam ainda que, comparativamente ao quarto semestre do ano passado, o PIB registou uma diminuição de 3,9% em termos reais com uma variação em cadeia de +0,7% no trimestre anterior. «Este resultado é explicado por contributos negativos da procura externa líquida para a variação em cadeia do PIB e da procura interna, que foi mais negativo que no trimestre anterior».
Estes valores já refletem os efeitos da pandemia covid-19 na atividade económica, devido às medidas de contenção. No entanto, o organismo público revela que «ainda antes desta medida existiam já perturbações no funcionamento normal de algumas atividades e na procura dirigida aos seus produtos, nomeadamente na restauração e hotelaria, afetando a atividade económica desde praticamente o início do mês».
O Governo reagiu aos valores apresentados pelo INE e relembra que a pandemia interrompeu 13 semestres consecutivos de crescimento. O gabinete de Mário Centeno explica ainda que «a evolução do PIB no primeiro trimestre está totalmente alinhada com as estimativas para a atividade setorial apresentadas no Programa de Estabilidade». E defende também que «a severidade da quebra da economia está bem espelhada no impacto que as três últimas semanas de março tiveram na evolução do PIB no primeiro trimestre», prometendo procurar recuperar a economia.
Mas, apesar dos efeitos da pandemia, André Pires destaca a recuperação e a forma como o país deve lidar com a pandemia. «Vemos, agora, sinais de reabertura. Algumas vozes levantam-se contra essa medida dita ‘imprudente’ ou ‘precoce’. No entanto, segundo alguns epidemiologistas, a covid-19 poderá tornar-se uma doença endémica da nossa sociedade, pelo que poderemos ter de aprender a viver com ela se não quisermos enfrentar consequências ainda piores de uma recessão grave», explica o analista ao SOL.
Apesar dos sinais de recuperação e levantamento das restrições que vemos em toda a Europa, o analista destaca a situação chinesa: «No entanto, se virmos os dados publicados na sexta-feira pela China como um indicador do que esperar para os próximos meses, estes desmentem expectativas otimistas de um retorno rápido à normalidade. A produção industrial chinesa aumentou 3,9% y/y em abril, graças ao regresso ao trabalho de muitos chineses. No entanto, a reabertura da economia não significou que os consumidores voltassem às compras e a ter as despesas que tinham antes».
‘Piores números desde que há estatística’
Em cadeia, esta é a maior contração desde, pelo menos, 1995. E os números vão piorar. O alerta chega pelo analista da Infinox que não tem dúvidas: «Vamos ter os piores números desde que há estatística em Portugal». E justifica: «A economia nacional estava dependente do consumo e teve uma paragem ‘forçada’ do dia para a noite. Nos EUA espera-se uma queda de 40% no PIB, por isso em países europeus ter quedas de 2 dígitos não será surpresa nenhuma», alerta.
Para explicar melhor a situação, Pedro Amorim deixa um exemplo. «Esta situação é semelhante a um país que fosse bombardeado por mísseis e desse cabo de toda a produção nacional. No lado positivo esperemos que as economias europeias, principalmente a portuguesa, não se apoie no consumo e turismo como motor de crescimento e desenvolvimento no futuro. Esse tipo de estratégia resulta num aumento da precariedade, baixos salários, e pouco valor acrescentado para a economia. Espero que com esta crise resultem reformas realistas a nível nacional e a nível europeu para aumentar a competitividade das nossas empresas e uma verdadeira aposta na inovação e desenvolvimento».