A conversa prolonga-se por mais de três horas, no amplo gabinete dos Paços do Concelho. Na parede do topo, atrás da secretária onde o autarca trabalha, encontra-se o original do famoso retrato do Marquês de Pombal pintado por Van Loo em 1766, que mostra o primeiro-ministro do Rei D. José I com os planos da reconstrução de Lisboa. Tal como Sebastião José de Carvalho e Melo, Isaltino de Morais também é um concretizador nato, que deixa uma obra impressionante no concelho de Oeiras. Foi eleito presidente da Câmara em 1986 com a promessa de acabar com os bairros de lata. Não só conseguiu isso como catapultou Oeiras para o segundo lugar dos concelhos que mais riqueza produzem. Chegou também a ser ministro, mas as ligações a uma conta na Suíça levaram-no a conhecer o sistema prisional – por dentro. Regressou, viu e venceu, voltando a conquistar a autarquia com facilidade nas eleições de 2017. Nesta entrevista fala de tudo isso:_do Marquês, da obra que deixa e da experiência da prisão, mas também de direita e esquerda e da Maçonaria.
Estamos na quinta do Marquês de Pombal e tem o famoso retrato pintado por Van Loo pendurado junto à sua secretária. Tem algum significado especial para si estar associado a uma figura tão importante da nossa História?
O palácio do Marquês foi comprado à Gulbenkian, as negociações começaram em 2001. O Governo também queria comprar, era primeiro-ministro o Guterres, e a dada altura a Gulbenkian estava a fazer render o peixe.
Tipo leilão?
Uma espécie de leilão. O Governo dizia ‘nós damos três milhões’ e eu: ‘Nós damos quatro’. Vinha o Governo ‘nós damos cinco’ e eu dava seis. Até que a dada altura fizemos um almoço com o administrador da Gulbenkian, na Casa da Comida, para fecharmos o negócio. Na Câmara Municipal não estávamos muito interessados no palácio, queríamos os jardins. Então acordámos que a Câmara comprava os jardins e o Governo ficava com o palácio. Entretanto, o Governo caiu, e a dr.ª Manuela Ferreira Leite, ao contrário do ministro anterior, queria era vender o máximo de património. A escritura já foi feita comigo em 2006. Isto estava num estado de degradação muito grande. Para ter uma ideia, iremos ali ter um investimento na ordem dos cinco milhões de euros para a recuperação do palácio. Até já houve quem me tentasse convencer: ‘Faz lá o gabinete’, porque embora este gabinete seja simpático, ali tem outra nobreza, porque é do século XVIII e este é do século XX.
Este edifício não fazia parte do palácio?
Aqui eram as cavalariças, que foram reconstruídas em 1946 ou 47, e a partir daí passou a ser a sede dos Paços do Concelho. Não sei se sabe, mas este é provavelmente dos quadros mais valiosos em Portugal. É um quadro de milhões. Quando foi avaliado em 1987/88, valia mais o quadro que os dois edifícios, este [Paços do Concelho] e o outro [palácio]. Entretanto é um quadro muito viajado, porque esteve na Europália, teve honras de uma sala única para ele, depois fez um périplo de dois ou três anos pelos Estados Unidos. Quando regressou, nunca mais o deixei sair. O que é que sinto com este quadro ali atrás? Vou-lhe contar uma história muito engraçada que se passou em 1986. Tinha prometido, na campanha eleitoral de 85, que ia acabar com as barracas no concelho. Isso fez primeira página em dois ou três jornais – n’A Capital era a página inteira com a minha fotografia: ‘Isaltino promete acabar com as barracas’. Toda a gente me chamava maluco e demagogo. O certo é que fui eleito, comecei a fazer casas, a pôr lá famílias, e fomos o primeiro município na área da Grande Lisboa a acabar com as barracas. Você mora onde?
Nasci e passei toda a infância e juventude em Miraflores.
Então conheceu a Pedreira dos Húngaros [famoso bairro de lata muito ligado à criminalidade].
Fui muitas vezes assaltado por miúdos de lá.
Este concelho era enxameado – nos sítios melhores – por bairros de barracas. E ninguém acreditava que fosse possível acabar com essa chaga tremenda. Eu próprio… acreditava, mas sabia que ia demorar muito tempo. Parte da comunicação social também não acreditava. Um social-democrata fazer casas, quando os comunistas diziam que o Governo é que as devia construir? (Por isso é que alguns concelhos aqui à volta, como Loures e a Amadora, ainda têm barracas hoje) Eles diziam: ‘O Governo que faça’. Eu sempre disse: ‘Quem vai fazer é a Câmara, o Governo só tem que financiar’. E realmente o PER – o Plano Especial de Realojamento – nasceu aqui na Câmara de Oeiras. Depois já vou ao episódio aqui do Marquês. Lembra-se da Presidência Aberta em 93?
Muito bem.
O Cavaco falava na democracia de sucesso e o Mário Soares falava na fome em Setúbal e por aí fora. Na altura já não havia assim tanta fome, mas o Soares faz uma Presidência Aberta na Área Metropolitana de Lisboa para visitar tudo o que era bairros de barracas. Fez um périplo por todos os municípios e também veio aqui a Oeiras. Mas eu preguei-lhe uma partida…
Já não havia barracas?
Havia, pois! Foi em princípios de 93, o Jamor estava cheio de barracas, onde viviam os timorenses. O Soares vinha no autocarro ali no Jamor – recordo perfeitamente, ele de pé, com outros presidentes de Câmara, e um ministro ou secretário de Estado a acompanhar.: ‘Estão a ver a democracia de sucesso?’ e apontava para as barracas. Aquilo era corrosivo. ‘É esta a democracia de sucesso? Olhem para este escarro, esta miséria’. Ofereci um almoço ao Presidente em Linda-a-Velha e fizemos a visita à Pedreira dos Húngaros. Mas qual foi a partida que eu lhe preguei? É que já estava a fazer casas. Então pu-lo a entregar as chaves de casas novas. Ele queria que fosse eu a entregar, mas eu disse-lhe: ‘Tenha paciência, mas tem de ser o senhor porque o pessoal quer receber as chaves da mão do Presidente da República’. [risos] A comunicação social nessa noite fez a primeira reportagem positiva: ‘Sim, senhor, há barracas. Mas está-se a resolver. Oeiras faz. Porque é que os outros sítios não fazem?’. Terminou a Presidência Aberta e o Professor Cavaco Silva chamou-me – agora já se pode dizer – ao gabinete e disse-me. ‘Como é que você está a resolver o problema das barracas?’ E eu digo-lhe: ‘O problema não é financeiro, é político. No dia em que o primeiro-ministro quiser acabar com as barracas é simples: define isso como prioridade. Em Oeiras a prioridade é acabar com as barracas. E eu, com a ajuda do Governo ou sem ela, vou acabar com as barracas. Se o senhor primeiro-ministro quiser, faz o mesmo’. Lá fiz a minha propaganda. E ele diz-me: ‘De quanto tempo precisa para estudar o assunto e preparar os diplomas, etc.?’. E eu: ‘Oito dias’. Cheguei aqui à Câmara nesse dia, chamei três técnicos, e disse-lhes: ‘Temos esta incumbência’. E dei-lhes três dias.
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