O pai chama-se Manuel Cláudio Fernandes, mas não deu ao filho João o apelido da família. Substitui-o pelo nome próprio de seu pai. E o agora ministro das Finanças, sucessor de Mário Centeno, ficou por isso a chamar-se João Leão, em homenagem ao seu avô, Leão Fernandes, professor ainda hoje recordado em Pangim, Goa.
João Leão é o novo rosto das Finanças e terá pela frente a difícil missão de substituir o ‘Ronaldo do Eurogrupo’.
O novo ministro de Estado e das Finanças conhece bem o Ministério, está no Governo exatamente há 1694 dias, tal como o seu antecessor e começou a colaborar com o PS ao mesmo tempo que Centeno no plano macroeconómico em 2014. Foi, aliás, um dos especialistas que o ministro das Finanças demissionário coordenou e já na altura não era um estranho nos corredores do PS. Colaborou com o Governo de José Sócrates em 2009, por indicação de Fernando Medina, então secretário de Estado da Indústria e do Desenvolvimento.
Quem é João Rodrigo Reis Carvalho Leão? O economista é natural de Lisboa, nasceu em 1974, ano da revolução dos cravos, e tem duas irmãs e dois irmãos. É doutorado em Economia pelo Massachusetts Institute of Technology (IMT), e tem um mestrado em Economia. Desde 2008 é docente universitário ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.
Apesar de ter nascido em Lisboa, tem origens goesas (tal como primeiro-ministro e o ministro do Planeamento, Nelson de Souza) através do pai, Manuel Cláudio Fernandes, também ele formado em economia e com uma vida dedicada ao funcionalismo público. O avô, Leão Fernandes, foi docente no Liceu de Pangim, em Goa. E as origens goesas do novo ministro foram motivo de orgulho na antiga colónia portuguesa. O jornal O Heraldo deu nota disso mesmo. recordando o pai, que «emigrou para Portugal e vive em Lisboa», e o avô, originário de Sarzora em Salcette. A mãe, Margarida , foi docente de Português e História. Outra curiosidade é o facto de João Leão ser sobrinho (segundo o Jornal de Negócios) de um dos fundadores do PS, António Reis, antigo grão-mestre do Grande Oriente Lusitano.
Para quem conhece o novo ministro, a impressão é unânime: é discreto, não se pode esperar que dê muitas entrevistas ou declarações públicas e conhece os números e o funcionamento do Ministério das Finanças como poucos. Está lá desde o final de 2015, tendo ganho o epíteto de «artificie das cativações», uma referência feita no passado pelo próprio Mário Centeno, de quem é amigo. Na prática, era Leão quem autorizava, ou não, mais despesa na Administração Central do Estado, e seguia à risca o processo de execução orçamental. Tanto à esquerda como à direita, as queixas sobre as cativações (despesa prevista mas não efetuada) foi uma constante ao longo da anterior legislatura.
Ricardo Paes Mamede, economista e docente universitário, conhece bem João Leão. Cruzou-se com ele ainda nos tempos de estudante e como colega no ISCTE. Ao SOL, o economista recorda o governante como alguém «recatado em termos públicos, muito afável no trato, com grande capacidade e foco no trabalho». No PS é apontado mesmo como um ‘workaholic’, uma figura independente (tal como Mário Centeno) que gosta pouco de protagonismo.
Paes Mamede lembra-o como uma pessoa com « formação bastante abrangente», que não percebe apenas de números, mas que tem um «conhecimento técnico, de facto, muito sólido e muito abrangente dentro da economia».
João Leão não será uma figura «com uma grande experiência política, com um grande domínio das interações políticas» , como sublinha ao SOL o economista Paes Mamede. Mas desengane-se quem pense que pode ser manipulado: «Não é um ingénuo do ponto de vista dos equilíbrios de poder», afiança o economista, que lhe aponta ainda, nos gostos pessoais, a preferência pela leitura vasta de biografias.
No seu currículo, Leão tem ainda a experiência de ter sido membro do Conselho Económico e Social entre 2010 e 2014 e do Conselho Superior de Estatística entre 2010 e 2014. Mais, foi também diretor do Gabinete de Estudos do Ministério da Economia entre 2010 e 2014, uma experiência que lhe granjeou elogios até do antigo ministro da Economia de Passos Coelho, Álvaro Santos Pereira. Foi, aliás, um dos primeiros a reagir, no twitter, à sua escolha para ministro de Estado e das Finanças. Ao SOL, nada mais quis acrescentar.
O teste suplementar
O secretário de Estado do Orçamento passa esta semana a ministro de Estado e das Finanças e terá já entre os dias 17 e 19 o primeiro teste de fogo: o Orçamento Suplementar que irá defender em plena crise pandémica, económica e social provocada pela covid-19 na Assembleia da República.
No início desta semana, o PSD decide o seu sentido de voto e deverá viabilizar o documento. Entre os sociais-democratas ganha força a tese de que o partido poderá abster-se (o que basta para viabilizar o documento).
O líder do PSD já assumiu que tem vontade de viabilizar este orçamento, mas falta a decisão final. Contudo, o discurso será seguramente outro para o Orçamento de 2021, onde não haverá espaço para tréguas.
O Bloco de Esquerda, por seu turno, também está disposto a ajudar a viabilizar o Orçamento Suplementar, mas Catarina Martins, coordenadora do partido, lembrou as condições bloquistas para votar a favor, numa entrevista ao Jornal Económico: layoff pago a 100 por cento, e contribuições extra tanto do setor energético, como da seguradoras e da grande distribuição. Assim, João Leão poderá ver o orçamento viabilizado pela abstenção, mas ouvirá críticas e também contestação, designadamente à direita. «Achamos que é um orçamento poucochinho, de gabinete e que não foi construído com base numa ampla acessão de preocupações que o CDS tem vindo a testemunhar no terreno, ouvindo vários setores afetados e com perdas avultados por esta crise», declarou ontem o presidente democrata-cristão, Francisco Rodrigues dos Santos.
A remodelação cirúrgica
Antes da discussão do Orçamento Suplementar, haverá ainda o momento da posse do novo ministro de Estado e das Finanças. Será já esta segunda-feira numa cerimónia sem público, como especificou o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, na nota oficial em que aceitou a demissão de Mário Centeno. E já se sabe quem são os três novos secretários de Estado. Da equipa anterior só restará o secretário Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes. Que sobe a adjunto de João Leão. Até agora, era Mourinho Félix quem tinha as funções de adjunto, além das Finanças. De realçar que Mendonça Mendes é o governante com maior ligação ao PS, sendo também presidente da Federação do PS/Setúbal.
Tendo em conta que a saída de Centeno foi anunciada de forma célere, e o seu sucessor apareceu ao lado de António Costa e do ministro cessante no espaço de duas horas, no PS ficou claro que a remodelação seria cirúrgica e circunscrita ao Ministério das Finanças.
Uma remodelação mais alargada (que incluísse ministros, por exemplo) traria custos acrescidos numa altura em que o foco é o combate à crise económica e social, provocada pela covid-19. Assim, na tomada de posse de João Leão como ministro de Estado e das Finanças, fica completa a equipa com os nomes de Miguel Cruz, até agora presidente da Parpública (também envolvido no processo da TAP), para o Tesouro (onde estava Álvaro Novo ) e João Nuno Mendes, que está a negociar o plano para a restruturação da TAP, será o novo Secretário de Estado das Finanças (onde estava Mourinho Félix).
A maior novidade é o regresso de Cláudia Joaquim ao Governo. A ex-secretária de Estado da Segurança Social ficará com a pasta que era do novo ministro, a da secretaria de Estado do Orçamento. A ex-governante chegou a ser escolhida para integrar a Santa Casa da Misericórdia após ter saído do anterior Governo.
Estas soluções podem revelar o foco do Ministério das Finanças em relação ao futuro da TAP. E João Nuno Mendes esteve presente na conferência de imprensa dada pelo ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos. Resta saber como será a relação entre as duas pastas daqui para a frente. Na saída de Centeno, recorde-se, Pedro Nuno Santos assumiu os elogios ao governante, mas também a «tensão saudável» entre ambos.
Nomes à parte, a saída de Centeno do Governo deixou um lastro de elogios pelo trabalho feito, mas também uma ideia no PS e fora dele: o Governo ficará mais fraco sem o ministro de Estado e das Finanças, ampliando o foco da responsabilidade política nas mãos do primeiro-ministro, António Costa.
«Nunca um Governo minoritário teve um primeiro-ministro tão dominante do Governo e do sistema político. Siza Vieira não compensa Centeno pois não é um verdadeiro independente pelas relações de amizade com o primeiro-ministro. De pesos pesados partidários sobra Augusto Santos Silva. E até o Presidente [da República] depende deste primeiro-ministro», escreveu no twitter a politóloga Marina Costa Lobo, logo no dia do anúncio de saída de Mário Centeno.