Entrevista a Miguel Frasquilho por Carlos Diogo Santos e Sónia Peres Pinto
Foi anunciado o acordo com a TAP, em que o Estado fica com 72%. Este desfecho era inevitável? Acho que foi um bom acordo no contexto que todos conhecemos. O cenário de nacionalização na verdade ninguém desejava e isso conseguiu ser evitado. Vai haver uma nova estrutura acionista, onde o Estado agora é claramente maioritário e terá como parceiro de referência Humberto Pedrosa e o grupo Barraqueiro e ainda os 5% dos colaboradores.
Foi preciso convencer Humberto Pedrosa a ficar?
Penso que essa possibilidade nunca foi equacionada. Só num cenário extremo de nacionalização decretada é que isso aconteceria. Felizmente não se chegou aí.
Foi público todo este impasse. O que é que causou este braço de ferro entre o Estado e David Neeleman?
A TAP para sobreviver precisa de uma soma avultada. Vai ser preciso emprestar pelo Estado português até 1.200 milhões de euros e, quando o Estado concede um apoio destes, naturalmente que impõe as suas condições. Essas condições tinham de ser aprovadas pelo conselho de administração da TAP e pelos acionistas. Em relação ao acionista Estado não havia grande questão, mas teria de ser aprovado também pelo acionista privado de referência, Atlantic Gateway. Ora, no conselho de administração, as condições que o Estado impôs não conseguiram ser aprovadas. Gerou-se aqui uma situação de impasse que teve de ser resolvida porque, caso contrário, os fundos que são necessários não entrariam na TAP. Foi este impasse que teve que ser desbloqueado e isto levou alguns dias.
Mas este é apenas mais um impasse. São conhecidos, nos últimos tempos, desentendimentos…
Não, não tenho notado que tenham existido desentendimentos.
Mas havia algumas divergências entre David Neeleman e a restante estrutura acionista…
Não sei se se poderá falar de divergências. Claro que quando há acionistas diferentes poderão surgir posições contrárias. Basta haver duas pessoas para existirem duas opiniões diferentes. E as divergências ou diferenças que foram sendo sentidas, não penso que tenham sido diferenças insanáveis. Acho que David Neeleman, como acionista, teve na TAP um papel muito importante. Desde logo em 2015, quando a privatização se deu, o consórcio que formou com Humberto Pedrosa foi muito importante porque permitiu injetar os recursos necessários para que a TAP não acabasse naquela altura. Depois, foi graças a essa injeção de fundos que foi possível iniciar um processo de renovação, ampliação da frota e modernização e também um processo de expansão da rede da TAP. Vou dar um exemplo muito concreto: a expansão que foi feita no ano passado nos EUA com David Neeleman a bordo foi certamente muito melhor do que não o ter a bordo. Como sabem ele é norte-americano e, portanto, movimenta-se muito bem no mercado americano. Acho que foi muito útil David Neeleman ter estado na TAP. Mas como em todos os processos e em todo o lado na vida há coisas que correm melhor e coisas que correm pior e sabia-se já desde há algum tempo – porque tinha havido negociações com a Lufthansa – que David Neeleman estaria interessado em vender a sua posição na TAP. Não foi possível chegar a um entendimento até porque, entretanto, ocorreu a pandemia e chegámos a esta situação.
Acha que David Neeleman sai amargurado, independentemente de receber os 55 milhões pela posição?
Acho que tudo o que diga respeito ao setor da aviação nos dias que correm é bastante difícil e deixa-nos a todos bastante amargurados porque a TAP tinha vindo a ter – não em termos de resultados, mas em termos operacionais – anos de expansão, que tinham sido anos positivos. Depois faltava a correspondência nos resultados que, de facto, não foram atingidos. E os próprios acionistas o reconheceram. Mas foram anos importantes em que a frota foi renovada, foi ampliada, em que a TAP estava a transformar-se. Houve uma transformação digital também muito grande, uma maior proximidade com os clientes, etc..Tudo isto veio ser colocado em causa não só para a TAP mas para todo o setor da aviação pela pandemia. A situação acabou por se precipitar de uma forma que há seis meses não era previsível.
Na apresentação de resultados, quando a TAP apresenta 395 milhões de prejuízos no primeiro trimestre, uma das informações que dá é que vai reestruturar a frota…
Não gostaria de entrar em pormenor sobre cada aeronave. Estamos em processo de renegociação. Mas vamos estender prazos e também adiar alguns pagamentos.
O processo de reestruturação que aí vem não será fácil. Diria mesmo que será pesado. Dizem que não é inevitável que haja despedimentos. E o fim de rotas?
Esse é todo um processo que se vai iniciar agora. Vamos elaborar ao nível do conselho de administração o plano de restruturação ou o plano estratégico para os próximos quatro, cinco anos, e esse é um processo que está a iniciar-se e não posso nem devo, nesta altura, fazer comentários sobre isso porque, de facto, estamos no seu início.
Mas os despedimentos serão inevitáveis?
Não, não são inevitáveis despedimentos. Agora, é um processo que não será feito sem sacrifícios nem dor. Mas, deixe-me dizer-lhe, a dor e os sacrifícios já estão a acontecer nesta altura. Temos ainda mais de 70% da nossa força de trabalho em lay-off. Temos muito colaboradores contratados a prazo que não viram os seus contratos renovados. É um processo, eu diria que a dor que já está a existir e os sacrifícios que já estão a existir, infelizmente, deverão continuar ao longo dos próximos meses.
Leia o artigo na íntegra na edição impressa do SOL. Agora também pode receber o jornal em casa ou subscrever a nossa assinatura digital.