No livro Salazar o Outro Retrato escreve: ‘E só o vi uma vez de perto, no dia em que ele morreu e eu fui até à residência de São Bento, num impulso de olhar a história, ou o fim da história, ao meu alcance?’ Que memória guarda desse dia?
Guardo a memória de um dia de Verão, como outros, mas em que se sente uma mudança da História. Embora Salazar já estivesse há quase dois anos fora do poder, a sua morte tinha outro peso simbólico. De certo modo, ele era o último elo que ligava o país em que vivíamos ao país do passado, ao velho Portugal da Grandeza e do Mito.
Como é que o país encarou a morte de Salazar?
Nunca há ‘o país’. Só nos concursos tipo Big Brother, as apresentadoras ou apresentadores dizem «os Portugueses decidiram!» ou «os Portugueses escolheram!». E os demagogos, também dizem essas coisas. Havia os que seguiam e respeitavam Salazar e os que o detestavam e odiavam. Alguns quase paranoicamente. Ainda existem essas duas espécies. Mas houve, em geral, o sentimento de que era o fim de uma época.
A morte de Salazar conduziria inevitavelmente à mudança de regime?
Sim, como aconteceu. Salazar, que era filosoficamente um pessimista antropológico e politicamente um nacionalista conservador, procurou uma linha de equilíbrio entre os regimes totalitários, o fascismo mussoliniano e o hitlerismo alemão (profundamente diversos entre si) e as democracias liberais francesa e inglesa. Era também pragmático nas instituições e nos instrumentos, na seleção do pessoal político, na representação e equilíbrio de forças em que se apoiava o Regime – nacionalistas, monárquicos, católicos, liberais, republicanos, conservadores, tecnocratas… Mas criou um regime que só funcionava eficazmente com alguém como ele que era essencialmente movido pela razão de Estado e pelo interesse nacional, independente de lobbies e de grupos de pressão ou opinião. E frio, austero, e sem angústias nas decisões importantes. E tinha poder e usava-o. Marcelo Caetano tentou o ‘Salazarismo sem Salazar’, embora talvez até convencido que estava a mudar as coisas. Daí o colapso. Além disso, a questão da Guerra de África, era um obstáculo à liberalização e democratização do regime, ou seja, ao seu alinhamento com o modelo europeu.
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