Num primeiro momento, quando Francisco Assis defendeu a sua candidatura, rejeitou o desafio que lhe foi lançado. O que a levou a mudar de ideias?
Nessa altura houve várias pessoas que me mandaram mensagens a encorajar-me e disse sempre que não porque não estava para aí virada, não estava nos meus planos. O que mudou foi o episódio da Autoeuropa. Fiquei alarmada com a possibilidade de o PS não ter um candidato próprio, da sua área, e apoiar a recandidatura do atual Presidente da Republica. Fui transparente, disse que ia refletir, e foi isso que fiz. Tive mais mensagens de encorajamento, de várias pessoas que muito considero, e fui refletindo ainda com o meu marido vivo. Ele teve um papel importante na reflexão. A seguir ao falecimento do meu marido fui confrontada com a minha própria debilidade anímica face ao infortúnio de o ter perdido e achei, a certa altura, que tinha mesmo de acabar com a reflexão. Nesse momento foi decisivo a memória das palavras que ele tinha tido comigo sobre este assunto e o encorajamento de um jovem de Fânzeres, o Pedro Limões, que me mandou uma carta
A pedir que se candidatasse…
Exato. Não o conhecia, mas aquela carta teve impacto em mim no sentido de achar que os jovens portugueses precisam de ter esperança e confiança no país. Precisamos de uma presidência diferente e foi por isso que resolvi candidatar-me.
Esperou alguma vez ter o apoio do Partido Socialista ou alimenta alguma expectativa que isso possa vir a acontecer?
Algumas pessoas que, desde o início, me encorajaram são do PS e sempre disse que não estava para aí virada, até porque sabia que não teria o apoio do Partido Socialista. Era a minha perceção. Mas agora a situação é diferente. O PS decidiu reunir para debater a sua posição relativamente às presidenciais… O PS é um partido democrático e há muitos militantes que pensam pelas suas próprias cabeças. Eu esperei pelo PS, mas a certa altura decidi avançar. Cabe ao Partido Socialista determinar a sua posição.
Gostava de ter o apoio do seu partido?
Identifico-me muito com aquilo que uma vez o dr. Mário Soares disse: ‘assumo que sou socialista, mas antes de ser socialista sou democrata e antes de ser democrata sou português’. A minha candidatura é independente. Não escondo que sou socialista e lancei esta candidatura com a ambição de ter o apoio de muitos socialistas e de muita gente que não é socialista, mas que está empenhada no reforço das instituições democráticas.
Tem apoios de pessoas mais à direita como o Nuno Garoupa.
Há pessoas que muito prezo de todo o espetro democrático. Quero ouvir todos e estarei aberta ao apoio de todos. Aceito todos os apoios do campo democrático, mas não negoceio compromissos.
O presidente do PS, Carlos César, já disse que não a apoiava. Disse, nessa altura, que rejeitava uma candidata ‘distante das pessoas, rude e divisionista’. Quer comentar?
A minha resposta é a minha atuação e as palavras ficam com quem as profere.
Calculo que não se identifica com esta definição…
Não. Estarei próxima das pessoas. Quero ouvir as pessoas, envolver as pessoas e estimular as pessoas a participarem democraticamente. Só dessa maneira é que a democracia pode alcançar os seus objetivos. Pretendo chegar àqueles setores da população que se sentem muito desencantados, desiludidos e desapontados com a democracia. Não podemos desistir desses cidadãos. Quero chegar aos jovens que têm revelado uma grande apatia por falta de estímulos para participarem na vida política. Não quero que eles desistam do país. Portugal tem de ser um país que dê oportunidades aos jovens.
Há muitos que decidem sair do país. Como se convence essas pessoas a ficar com poucas oportunidades e salários baixos?
Vivemos num país em que um Governo de direita fez um apelo aos jovens para saírem da sua zona de conforto e emigrarem. Foi das coisas mais indignas que ouvi na vida. Infelizmente, por causa das sucessivas crises, os jovens têm sido particularmente sacrificados. Quando olho para trás, para a minha experiência enquanto jovem, mesmo em condições duríssimas como era a ditadura e depois com as oportunidades que o 25 de Abril abriu, tive mais oportunidades do que aquelas que os jovens têm hoje. Hoje temos jovens muito qualificados e depois não existem saídas profissionais. Quero que existam oportunidades para os jovens aqui e hoje. Não é no futuro, é no presente.
Isso não revela que nesse aspeto este regime democrático falhou?
Não. É o falhanço de políticas erradas que temos de alterar. É por isso que eu, que acredito profundamente no regime democrático e o quero regenerar, acho que temos de alterar essas políticas que são erradas e conduzem à descrença no sistema democrático. Isso não pode continuar a acontecer. Não podemos dar armas àqueles que querem destruir o regime democrático.
Até que ponto é que o próximo Presidente da República pode contribuir para mudar essas políticas?
Pode. Pode usar os poderes que estão constitucionalmente consagrados. Não elegemos o Presidente da República para ser um verbo de encher. Quem está na presidência da República tem de intervir, na interação com o Governo, mas também com todas as instituições democráticas. Não me parece, por exemplo, que seja adequado ver, como ainda recentemente vimos, o Presidente da República a dar conselhos ao seu próprio partido sobre como viabilizar o Orçamento do Estado. Mas há outro tipo de intervenção que o Presidente da República deve ter. Deve convocar todos para debater as grandes questões nacionais, ajudar a determinar um rumo estratégico e relacionar-se com os partidos no sentido de os congregar para dar uma base estável ao Governo. Acho que, perante os resultados das últimas eleições legislativas, teria sido importante que houvesse um entendimento sólido.
Marcelo Rebelo de Sousa devia ter forçado esse entendimento?
O Presidente da República poderia ter tido um papel de exigência, discreto ou menos discreto, para garantir essa base parlamentar estável. Infelizmente não o fez e é por isso que não temos um Governo com uma base parlamentar estável.
Qual seria vantagem?
Essa base parlamentar estável é muito importante porque permitirá ao país fazer as reformas de fundo que são necessárias.
O próximo Presidente da República deve exigir um acordo entre os partidos de esquerda?
Exige-se que intervenha no sentido de dar condições de governabilidade e de estabilidade ao país. É a única forma de se fazerem as reformas de fundo. Isto é ainda mais claro quando há uma crise que resulta da pandemia.
Se for eleita vai chamar os partidos e obrigá-los a fazer um acordo escrito?
Tudo depende dos resultados das eleições. Nas últimas eleições legislativas, até tendo em conta o passado, em que houve um Presidente da República que exigiu um entendimento escrito, teria sido justificável uma intervenção presidencial para estimular os partidos a fazerem um entendimento que desse essa base de estabilidade à governação.
Concorda com Cavaco Silva que exigiu um acordo escrito…
Isso não foi feito pelo atual Presidente da República. Talvez isso permita uma intervenção mais traquinas ao Presidente da República, mas não é o que melhor serve os interesses do país. Identifico-me com uma frase do Presidente Jorge Sampaio: ‘o Presidente não é um notário’. Não está ali só para certificar. O Governo é que governa, mas o Presidente da República pode contribuir para as condições de governabilidade do país. Aí é que a questão da estabilidade se coloca. Estabilidade para haver apenas navegação costeira não vale muito a pena, mas precisamos de estabilidade para fazer reformas de fundo.
Que reformas são essas?
São muitas. A começar pela questão do reforço do Serviço Nacional de Saúde e de outras instituições públicas que são indispensáveis para que o Estado funcione e seja possível responder aos mais vulneráveis. Dou-lhe o exemplo do Tribunal de Contas. Assistimos a este tristíssimo episódio. A questão do Novo Banco também deve preocupar o Presidente da República.
Marcelo Rebelo de Sousa não se empenhou para ajudar a resolver os grandes problemas do país?
A atuação deste Presidente da República foi muito positiva no início. Ajudou a descrispar num momento em que o país precisava de ganhar ânimo. Isso foi conseguido com a ação do primeiro Governo de António Costa e com a intervenção do professor Marcelo Rebelo de Sousa. A partir de certa altura, o Presidente amoleceu, encostou-se ou deixou-se encostar. Quer melhor demonstração do que este episódio do Tribunal de Contas? O Presidente assumiu que a responsabilidade é dele e só dele quando todos os portugueses perceberam como é que se chegou a este episódio. Este episódio foi muito preocupante.
Não é saudável existir uma excessiva proximidade entre o Presidente da República e o Governo?
Não. A separação de poderes é um aspeto essencial do funcionamento da democracia. Quando assistimos a um episódio como este do Tribunal de Contas, em que num dia o Presidente da República diz que não sabe que vai haver uma substituição e dois dias depois dá posse ao novo presidente, sugerindo que foi escolhido por si próprio, há aqui qualquer coisa muito perturbante.
Marcelo Rebelo de Sousa conta com o apoio de vários socialistas. Curiosamente, alguns desses apoios surgem de pessoas da ala mais à esquerda do PS. Ficou surpreendida, por exemplo, com o apoio dado ao atual Presidente da República por Ferro Rodrigues?
Não fiquei surpreendida porque sou muito amiga dele e sabia que ele tem uma leitura muito positiva da interação que tem tido com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Não é novidade, para mim, mas discordo. O PS não podia deixar de ir a jogo numas eleições que são tão importantes para a democracia. Não se pode desvalorizar estas eleições.
Marcelo Rebelo de Sousa já devia ter anunciado a recandidatura?
Ninguém tem dúvidas de que o professor Marcelo Rebelo de Sousa está em campanha há muito tempo. Estes comentários diários sobre tudo e mais alguma coisa… Até já vimos o Presidente da República a assumir-se como uma espécie de porta-voz da Direção-Geral de Saúde neste comentário sobre como é que deve ser o Natal das famílias. Não é o tipo de intervenção que seria de esperar da presidência da República. A intervenção da presidência tem de ser seletiva.
Vai falar menos do que o atual Presidente se for eleita?
A intervenção do Presidente da República não pode ser banalizada. Tem de ser rigorosa e seletiva. Quando o Presidente da República fala tem de ser escutado por todos os cidadãos e não pode fazer comentários tipo Borda D’Água.
Como vai adaptar a campanha eleitoral às restrições impostas pela pandemia?
As leis são antiquadas e não foram revistas no contexto da pandemia. É irónico que se possam fazer declarações fiscais online, mas, por exemplo, as assinaturas para uma candidatura à presidência da República têm de ser apresentadas em suporte de papel. Mas tenho a ajuda de muitos voluntários e temos conseguido resolver esses problemas. Não quero de maneira nenhuma fazer uma campanha cara. Estou convencida de que não são precisos os meios absurdos que muitas vezes são envolvidos por determinadas candidaturas, nomeadamente aquelas que são apoiadas por certos partidos políticos. É preciso reduzir esses meios. Esta campanha não terá cartazes que poluam as nossas cidades e vilas.
Não vai ter nenhum cartaz?
Não, não vou ter nenhum cartaz e só isso vai embaratecer muito a campanha. É isso que é mais caro e é também esse um dos meios que muitas vezes é perversamente utilizado para fins menos claros. A minha campanha vai ser transparente a nível financeiro. Não quero contribuições superiores a cem euros. Estou a pedir aos meus apoiantes que não o façam.
Vai pagar a campanha eleitoral apenas com esses contributos?
Sim. Não tenciono contrair nenhum empréstimo. Trabalharemos com estes meios e desafio as outras candidaturas a fazerem o mesmo e a serem transparentes como a minha vai ser. Vamos colocar online as contribuições que vamos recebendo e também todas as despesas para garantir a máxima transparência.
Como é que vai fazer uma campanha com pouco dinheiro?
Vamos comunicar através das vias digitais e pelo contacto direto com os cidadãos. Já comecei a fazer encontros com cidadãos que quero ouvir e que querem conhecer as minhas ideias. Vou continuar nesse formato de promover conversas com os cidadãos. É mais útil do que os comícios e as arruadas.
Voltando aos apoios dos partidos. Tem o apoio do PAN e do Livre e provavelmente não vai ser apoiada pelo seu partido. Continua a sentir-se bem no Partido Socialista apesar das muitas divergências?
O PS é um partido plural com diferentes sensibilidades e diferentes perceções em relação às necessidades do país. É dessa tensão entre as diferentes perspetivas que se faz o caminho democrático. Até certo ponto as tensões que vivi no PS são naturais e normais. Nunca deixei de as assumir quer em reuniões dentro do partido, quer em reuniões públicas, nomeadamente nos congressos. Fui muitas vezes crítica do rumo que o PS tomava, incluindo nos congressos no tempo de José Sócrates em que chamei a atenção para a importância do combate à corrupção. Não sabia, nessa altura, tudo aquilo que viemos a saber depois com o processo Operação Marquês que ainda está em curso. Sempre me senti bem no PS e a prova disso é que estou no PS e não escondo que sou socialista.
Se não vencer as eleições admite que este movimento pode dar origem a outra coisa?
Não faço planos. Anunciei a minha candidatura sem ter planeado nada. Sem ter uma mínima estrutura de apoio. Nunca faço planos a longo prazo. Neste momento o meu objetivo é mobilizar os eleitores à volta da minha candidatura e contribuir para que todos venham votar. Todos têm interesse em determinar o reforço das instituições democráticas como condição indispensável para termos um país mais decente e que dá oportunidades que hoje não temos, em particular aos jovens.
Qual é o Presidente da República, em democracia, que mais admira?
Admiro vários por diferentes características. Começo por admirar o general Ramalho Eanes com que tive o privilégio de servir na presidência da República. Pelo exemplo extraordinário de integridade, isenção e dedicação. Admiro obviamente o Presidente Mário Soares que abriu a presidência. Colocou toda a sua sabedoria política e a sua bonomia ao serviço do prestígio do país e da qualidade da nossa democracia. Posso dizer o mesmo de Jorge Sampaio. Em determinados momentos assumi discordâncias com ele, mas isso não me impede de fazer um balanço altamente positivo dos seus dois mandatos pelo exemplo de verticalidade e de preocupação com os direitos humanos. O nosso país teve muita sorte em ter estas diferentes personalidades.
Só não gostou de Cavaco Silva…
Não me revi no tipo de intervenção que teve o professor Cavaco Silva como primeiro-ministro e como Presidente da República. Não quer dizer que não o respeite. Inscrevi-me no PS, em 2002, um dia depois de o PS ter perdido as eleições, porque tinha ficado horrorizada com a campanha que tinha sido feita pelo professor Cavaco Silva e pelo candidato a primeiro-ministro Durão Barroso com aquela ideia de que o país estava de tanga. Uma visão muito negativa e pejorativa do país. Acredito em Portugal e acho que o país tem um potencial extraordinário. Os portugueses são um povo admirável. Devemos ser realistas e enfrentar os problemas, mas o país não precisa de uma visão negativa e acabrunhante.