Com o país a atingir números de casos positivos recorde na semana passada, o Governo decretou novas medidas para controlar a propagação da covid-19. Para já, 121 concelhos e 7,1 milhões de portugueses vão ficar em confinamento parcial a partir de quarta-feira.
Mas num país onde a economia tem sido drasticamente afetada, as novas restrições não foram vistas com bons olhos pelos representantes de vários setores. Ora, diz o Governo, os estabelecimentos ligados à restauração devem encerrar até às 22h30.
A Associação Nacional de Restaurantes, a Pro.var, defende que “sem clientes e sem apoios não faz sentido estar aberto”.
A Pro.var diz que as medidas anunciadas “serão quase irrelevantes, pois já não existem clientes nos restaurantes”. E acusa: “A estratégia adotada pelo Governo está a resultar, os portugueses estão a acatar as recomendações, estando neste momento a maioria dos restaurantes praticamente vazios”.
Daniel Serra, presidente da associação, diz mesmo que “ainda o primeiro-ministro não tinha acabado a comunicação ao país, logo que os empresários tomaram conhecimento das medidas e sem contrapartidas, muitos tomaram a dura decisão de encerrar”. Nesse sentido, a Pro.var diz estar “muito preocupada” com o forte imacto que o setor está a sofrer, não colocando, no entanto, as decisões do Governo em causa. Mas são “claramente prejudiciais para o setor”.
A associação pede que Governo encontre contrapartidas para permitir que as empresas do setor sobrevivam. “A associação pede assim que o Governo implemente, com caráter imediato, um conjunto de medidas que a Pro.var já entregara na passada semana e que foram apresentadas tendo já em conta a declaração do Estado de Emergência”.
Ao i, a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) disse estar a preparar-se para anunciar esta segunda-feira a sua posição em relação a estas medidas. No entanto, a AHRESP já tinha alertado para que o setor não sobreviverá a novas restrições, a não ser que viessem acompanhadas de mais apoios por parte do Governo.
A associação diz que os estabelecimentos de restauração e bebidas e do alojamento turístico já estão neste momento a funcionar com “bastantes restrições” e que têm cumprido as regras definidas. Por isso, as novas medidas “têm forçosamente que ser acompanhadas do robustecer dos apoios”.
Sem esses apoios, garante a associação, “iremos assistir a uma situação, sem precedentes, de encerramento massivo de empresas, uma vez que estas não têm forma de suportar os custos fixos que têm, nomeadamente ao nível do pessoal”.
Já o presidente da Confederação do Comércio e Serviços diz que vai tentar negociar com o Governo os setores mais afetados com estas medidas. O objetivo é evitar mais desemprego. “O que nós nos propomos a negociar com o Governo é como é que vamos conseguir evitar o encerramento de muitas empresas com as consequências conhecidas em termos de emprego. Vai ter de se investir mais, como os países europeus fizeram, no suporto ao tecido empresarial”, disse João Vieira Lopes em entrevista à TSF.
Sem ‘ganha pão’
Quem também não se mostrou satisfeito com as medidas foi o presidente da Federação Nacional das Associações de Feirantes que garante que o Governo está a “tirar o pão aos feirantes”. Recorde-se que o Governo proibiu todas as feiras e mercados de levante. À Lusa, Joaquim Santos diz que o Governo está a “deixar ficar para trás milhares de feirantes”. “Fecham as feiras e mandam os portugueses para recintos fechados até às 22h00”, acusa Joaquim Santos, que não tem dúvidas: “Esta decisão é uma vergonha num país democrático”.
Casos nas escolas aumentam
Durante o anúncio das novas medidas restritivas, António Costa não fez, em momento algum, referência às escolas, que têm registado cada vez mais casos de infeção. Segundo as contas da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), este domingo existiam 506 estabelecimentos de ensino onde foram confirmados casos de covid-19 – número que, de acordo com a Fenprof, pode ser muito maior.
A falta de medidas direcionadas para as escolas levou a estrutura sindical a acusar o Governo de “tentar disfarçar o crescente aumento de casos” nas escolas. Ainda segundo a lista das mais de 500 escolas, Lisboa é o concelho onde há mais pessoas infetadas – são 37. A seguir está Sintra com 17 testes positivos, Cascais com 14, Porto e Loures com 13 e Oeiras com 10.
“É irresponsável da parte do governo e inaceitável para as comunidades educativas que, neste quadro epidemiológico agravado, as medidas de prevenção e segurança sanitária não sejam reforçadas, não haja coerência nos procedimentos decididos pelas autoridades de saúde e se mantenha uma prática marcada pela falta de clareza”, escreveu a Fenprof em comunicado.
Além de pedir a lista completa das escolas onde alunos, professores ou funcionários testaram positivo à covid-19, a Fenprof defende a divisão das turmas em pequenos grupos e que nas salas de aula “seja garantido o distanciamento adequado a observar em espaços fechados e não, apenas, os centímetros possíveis que resultam das normas impostas pelo Ministério da Educação”.
Também este domingo, e na sequência do aumento de casos positivos, a Escola Secundária de Paços de Ferreira e a escola D. António Taipa, em Freamunde, anunciaram que será adotado, a partir da próxima segunda-feira, o regime de ensino à distância. Além dos alunos, professores e funcionários em isolamento profilático, os estabelecimentos de ensino referem que os funcionários em funções começam já a acusar desgaste.
Sobe número de internados
Desde o dia 2 de abril que não se registava um número tão elevado de internados. Apesar de o número de casos ter descido (3 062) – o que, aliás, tem sido habitual nos boletins divulgados aos domingos -, registaram-se 2122 pessoas internadas, mais 150 do que no sábado. Deste total, 284 estão internadas em Unidades de Cuidados Intensivos, menos dois do que no dia anterior. Recuando exatamente um mês, no dia 1 de outubro registaram-se 682 internamentos, dos quais 107 estavam nos cuidados intensivos.
Depois do anúncio das novas medidas, o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, defendeu que estas já deveriam ter sido avançadas há muito tempo. “As camas para doentes ‘não covid’ já estão a ser novamente ocupadas por doentes ‘covid’ e os doentes ‘não covid’ começam outra vez a ficar para trás. Se a situação se agravar, se se tornar mais grave do que na primeira vaga, vamos ter um problema muito sério com os doentes ‘não covid’, com um aumento muito sério de morbilidade. É um efeito colateral da pandemia que se poderia ter evitado se utilizássemos todo o sistema de saúde”, avançou Miguel Guimarães à Lusa. Na mesma linha, Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros, criticou a demora do Governo e alertou para o facto de existirem, neste momento, poucos enfermeiros de saúde pública disponíveis.