Disse que, caso votasse nos Estados Unidos, votaria em Trump. Apesar de tudo apontar no sentido contrário, ainda acreditava que Trump tinha hipóteses de ganhar?
Em 2016 tive sempre a ideia de que podia ganhar, sobretudo nos últimos quinze dias, em que a Hillary Clinton estava a cair enquanto ele subia. Desta vez não tanto, mas estava convencido de que seria, como foi, uma luta renhida… E, claro, havia muitas coisas induzidas.
Fatores externos?
Esta desmoralização que os institutos de sondagens produziram tem efeitos. Mesmo os mais reputados davam uma grande vaga azul. Não houve vaga azul nenhuma, pelo contrário, os republicanos recuperaram lugares na Câmara dos Representantes, basta ganharem um dos dois ou três lugares em competição para recuperarem a maioria. Os quatro ou cinco milhões de votos de diferença a nível nacional devem estar muito concentrados na Califórnia. Há dois dias um amigo meu americano conservador dizia a brincar que, se houvesse uma secessão da Califórnia, nunca mais a direita perdia uma eleição. Diria que o que aconteceu no sábado passado não foi uma autoproclamação, como aconteceu na Venezuela ou na Guiné-Bissau, mas, de certo modo, a CNN e outras cadeias proclamaram Joe Biden antes de estarem terminadas as contagens e as recontagens, para não falar de eventuais impugnações.
Achou precipitado?
Acho que foi intencionalmente precipitado. Esgotadas as contagens e recontagens, se ficar provado e verificado que Biden venceu, Trump tem de se resignar. Mas, até lá, não. Independentemente do resultado final é preciso ver uma coisa. Com uma pandemia, com toda a gente a atribuir-lhe a culpa dos mortos – e nos EUA muitas destas medidas são da responsabilidade estadual e do mayor –, com a recessão económica que veio por arrasto, com a imprensa e os media americanos esmagadoramente contra ele, Trump tem quase mais 10 milhões de votos do que em 2016. Acho que é uma proeza. Terá muitos defeitos – é exagerado, fala de mais, twita demais, diz coisas chocantes, inclusive para mim, mas nesse sentido é um político pós moderno.
Olhando para o nível intelectual, ouvindo o seu discurso, Trump não lhe suscita reservas?
Não é uma figura que me eletrize, que me entusiasme como me entusiasmou Reagan, como me entusiasmou o John McCain, que era um herói americano, como em termos de cabeça e de liderança política Nixon, ou George Bush pai. Todos esses são figuras de outro nível. Trump nunca teve nada a ver com esta área política. Mas pegou nas suas causas e tem-nas defendido: os valores patrióticos, os valores religiosos, os valores da família. Um judeu americano da direita pura e dura comparou-o ao Rei David. Dizia-se que até um homem mau podia ser um instrumento de Deus. Passei a vida – que já é longa – a ver gente boa a defender causas más e gente má a defender causas boas. Não estou a dizer se Trump é mau ou bom, não me interessa isso. Mas de repente querem fazer uma moralização da política que não vejo fazerem para mais ninguém.
Mas deve haver coisas que Trump diz a que não pode ficar indiferente.
Houve uma coisa que me chocou profundamente, quando fez aquela crítica ao McCain, que não era um herói de guerra porque se deixou capturar…
Falando da direita portuguesa. Há dias vi uma coisa no Facebook…
Sim, eu fui almoçar com o André Ventura, ele pôs o retrato nas redes e eu disse-lhe para tirar. E ele tirou. Eu não sou do Chega, mas falo com o André Ventura – como falo, almoço e janto com muita gente, da direita ou da esquerda. Achei positivo o aparecimento do Chega porque reequilibra o leque partidário à direita. Depois com certeza que há muita coisa com que não me identifico. A insistência naquelas questões penais e punitivas, por exemplo. Estou à espera que depois haja mais coisas de fundo: a questão do nacionalismo, as questões da Europa. E André Ventura tem uma boa oportunidade nas presidenciais para fazer isso; não tem grandes responsabilidades, uma vez que sabemos mais ou menos que o Presidente vai ser reeleito.
Dá isso por garantido, portanto.
Dou, até porque tem o apoio do maior partido político do país, que são as pessoas que não têm partido. Pessoas que não se interessam muito pela política, mas gostam dele, e percebe-se porquê. Além dele há três esquerdas – o Partido Comunista, o Bloco de Esquerda e a Dr.ª Ana Gomes. – e há depois os descontentes e os que à direita não se identificam com ele. Aí, André Ventura já não tem de andar com estas coisas mais polémicas, e pode esclarecer muitos aspetos do programa, e fazer uma definição de uma direita portuguesa, atual, que não tem de ser saudosista do Salazarismo, nem de importar agendas de outras latitudes. Acho que ele tem as qualidades e os defeitos que são necessários hoje para se estar na política.
Os defeitos?
A formação política dele é muito a que vem dos quadros e das juventudes dos partidos. Há 50 ou 60 anos, as pessoas como eu, fossem da direita ou da esquerda, com 15, 20 anos já tinham lido o Lenine, o Mussolini, o Maurras, os comunistas, os filósofos. Hoje as pessoas já não leem nada disso, e às vezes faz falta.
Há um bocado, quando ia falar do Facebook, não era da fotografia que referiu, mas de um texto de um antigo jornalista, Luís Osório, em que lhe chamava fascista.
Parecia uma espécie de denúncia pública. Dizia que, como eu era um fascista culto, as pessoas me ouviam e me respeitavam. Não sei se queria que passassem a tratar-me mal ou que me impedissem de escrever ou de falar. Também não me interessa muito, mas não me parece uma conduta muito louvável.