O sonho por cumprir de Helene Hanff

84, Charing Cross Road é um livro curto e comovente com uma história curiosa. Nascida em Filadélfia em 1916, Helene Hanff, a sua autora, queria escrever peças de teatro para a Broadway. Aos 22 anos venceu uma bolsa que lhe permitiu mudar-se para Manhattan, onde habitou durante anos um estúdio sem aquecimento. 

Devo aos préstimos de um bom amigo ter ouvido falar pela primeira vez de 84, Charing Cross Road. Creio que foi na sua bonita casa, num domingo, que me contou que andava a lê-lo e estava a adorar. «É uma delícia», descreveu, com curtas pausas entre as palavras, como que para acentuar cada uma delas.

Fiquei naturalmente curioso. Entre alfarrabistas e os classificados do OLX devo ter andado à procura de um exemplar durante uns bons três anos. O mais perto que estive foi quando me deparei com uma tradução alemã. Apesar de ser uma pechincha, não me servia.

Mas lá diz o Evangelho: «Pedi, e vos será concedido; buscai, e encontrareis; batei, e a porta será aberta para vós». Ao fim dos tais três anos (poderia ter encomendado um exemplar pela Amazon ou outra livraria online, mas, por alguma razão, parecia-me batota) a minha persistência foi recompensada com uma tradução francesa.

84, Charing Cross Road é um livro curto e comovente com uma história curiosa. Nascida em Filadélfia em 1916, Helene Hanff, a sua autora, queria escrever peças de teatro para a Broadway. Aos 22 anos venceu uma bolsa que lhe permitiu mudar-se para Manhattan, onde habitou durante anos um estúdio sem aquecimento. Um dia, em 1949, enquanto lia um jornal literário, reparou num anúncio a uma livraria de livros usados, a Marks &_Co., em Londres.

Sem formação universitária, a sua paixão pelos livros devia-se «a um professor de Cambridge chamado Quiller-Couch no qual tropecei numa biblioteca quando tinha dezassete anos».

Durante cerca de duas décadas correspondeu-se com o gerente da Marks &_Co., Frank Doel. Escrevia-lhe cartas com pedidos muito específicos de livros que não encontrava em Nova Iorque (ou que só encontrava a preços impeditivos). Fazia-lhe também recriminações bem-humoradas como esta:_«Eu podia MORRER_aqui antes que você me enviasse seja o que for para ler».

Com mais ou menos demora, de Londres ia recebendo os exemplares desejados – e mandava o pagamento em dólares na volta do correio.

Viviam-se então em Inglaterra tempos de austeridade e a escritora americana sabia das restrições que os amigos londrinos estavam a passar. Apesar das suas próprias dificuldades financeiras, em ocasiões como o Natal e a Páscoa enviava para a livraria generosos cabazes de acepipes.

Entretanto, iam passando os anos sem que Helene conseguisse ver uma peça escrita por si ser encenada._Até que em 1969 ocorreu-lhe publicar numa revista uma novela a partir da correspondência trocada com a Marks &_Co. Ao perceber que daria um texto demasiado longo, desistiu. Mas um amigo pegou nas cartas, selecionou-as e deu-as a um editor, que as publicou tal e qual como estavam. O livro tornou-se um sucesso imediato, o que permitiu à autora realizar pelos menos dois sonhos antigos:_ver uma obra sua representada no palco e visitar, finalmente, Inglaterra! O terceiro sonho ficaria por cumprir._Frank Doel morreu em dezembro de 1968 e a Marks &_Co. encerrou dois anos depois.