"Estão frente a frente dois candidatos com notoriedade muito diferente. Marcelo Rebelo de Sousa, professor catedrático de Direito, de 72 anos, que se recandidata a Presidente da República (PR), e Tiago Mayan Gonçalves, de 43 anos, advogado e fundador do partido Iniciativa Liberal". Foi deste forma que Carlos Daniel, da RTP, apresentou os candidatos às eleições presidenciais do próximo dia 24 de janeiro que se defrontaram na estação televisiva pública.
O jornalista começou por questionar o atual PR, dizendo que tinha à sua frente "alguém que o apelidou de propagandista do Governo, submisso, seguidista". Rebelo de Sousa decidiu cumprimentar, com simpatia, o adversário, dizendo que, no cargo que desempenha, está sujeito ao escrutínio, inclusivamente, político. "Há quem goste, há quem não goste, a democracia é assim", explicou, adicionando que "não há censura, muito menos, durante uma campanha presidencial". "Uma coisa é estar com o Governo e outra coisa é estar com os portugueses. E eu estive com os portugueses. Por isso, eu vetei mais do que todos os presidentes, tirando o presidente Ramalho Eanes. Disse, em várias ocasiões, quando discordava com o Governo", continuou o atual dirigente, afirmando que "tem de se fazer por que as legislaturas cheguem ao fim" e, no caso da existência de uma interrupção, tem de existir uma razão, apontando como cenário hipotético para tal a ocorrência dos incêndios em Pedrógão Grande, no distrito de Leiria, em 2017.
Mayan Gonçalves, que pretende ser "a voz do Governo", admitiu que o mandato do PR "é um falhanço", pois "o seu discurso de candidatura apresenta-se como o mesmo e esse é o grande problema". A título de exemplo, o candidato do Iniciativa Liberal recorreu à divulgação das vacinas da covid-19 ou a recondução da procuradora Joana Marques Vidal na Procuradoria-Geral da República. "Continuamente, tem-se apresentado nesta posição porque a única coisa que move o Presidente é a sua busca de popularidade e, quando a sua popularidade baixa, é quando começa a reagir. Todos os vetos foram realizados este verão porque começou a olhar para as sondagens e percebeu que a mesma estava a baixar", indicou o candidato que se autodenomina como "genuinamente liberal".
Começando por abordar a questão que se prende com Marques Vidal, Rebelo de Sousa disse que, após a revisão constitucional de 1997, "o mandato dos procuradores-gerais da República é único porque, de outro modo, não terminaria", asseverando que foi a própria profissional que o declarou em 2013. "Arrancou com essas regras e ficou claro desde o início. Foi substituída e todos disseram que quem a substitui não garantiria o combate à corrupção", explicitou, dando como exemplos da continuação desta linha de pensamento o desenvolvimento de megaprocessos da justiça como o do BES ou a Operação Marquês.
"Fui vacinar-me e, ao meu lado, estava a Ministra da Saúde que disse que, todos os portugueses que se querem vacinar, teriam a vacina disponível. Bom, depois disto, assumi, com a maior das humildades, o que não vejo muitos chefes de Estado a assumir. Que a máxima responsabilidade da gestão da pandemia é minha", elucidou Rebelo de Sousa acerca do processo de vacinação contra a covid-19. "Até que ponto o senhor é mais ou menos crítico dos ministros consoante o momento?", questionou Carlos Daniel, sendo que o atual PR respondeu que tal se prende com a necessidade de intervenção.
"A popularidade é-me totalmente indiferente. Eu vetei a lei do financiamento dos partidos há muito tempo, contra o Parlamento todo. Eu vetei, aprovada pelo PS e com abstenção do PSD, sobre o controlo da aplicação dos fundos europeus. Mas a maior parte dos meus vetos foi feita até 2019", constatou Rebelo de Sousa. "Está sempre ao lado do Governo exceto quando sente a popularidade afetada. O senhor não é um espectador. Não tem de esperar por uma entrevista da Ministra da Justiça", atirou Mayan Gonçalves, referindo-se à alegada falsificação do CV do procurador José Guerra através do suposto envio de uma carta, por parte da Direção-Geral de Política de Justiça do Ministério da Justiça para o Conselho pela Representação Permanente de Portugal na União Europeia. Por outro lado, especificando o caso do homicídio de Ihor Homeniuk, cidadão ucraniano assassinado por agentes do SEF, o deputado falou num "pacto de silêncio de nove meses" levado a cabo pelo PR.
"A minha primeira intervenção sobre o caso do cidadão ucraniano foi em março", defendeu Rebelo de Sousa, sendo interpelado por Mayan Gonçalves: "E com a viúva, falou?", perguntou, sendo que o antigo comentador político disse que já explicou o motivo pelo qual não falou com a mulher. "Estando a decorrer um processo criminal, não ia falar com uma cidadã ucraniana antecipando o juízo da justiça portuguesa", justificou. "Eu prorroguei 1500 leis. Posso ser atacado por 1500, 2500, 3000 razões. Um candidato que aqui chega, novo, é livre de prometer tudo. Como eu fiz há cinco anos. Tomei a decisão acerca do cidadão ucraniano. Não faria diferente hoje", acrescentou.
"Em boa medida, pode tentar medir-se o crescimento do CHEGA! e do Iniciativa Liberal consoante a sua performance e a do deputado André Ventura nestes debates", afirmou Carlos Daniel, questionando o candidato sobre a responsabilidade que carrega e se João Cotrim de Figueiredo não a devia ter assumido em seu lugar. "Esta candidatura é individual. Eu estou aqui porque avancei. Estou a representar uma visão liberal para o exercício da presidência da república, mas é uma visão também individual", constatou, ouvindo o moderador recordar a forma como descreveu André Ventura anteriormente, por meio de adjetivos como "xenófobo", "racista" ou "vendedor de banha da cobra". Mayan Gonçalves avançou que quer apresentar uma "visão completamente distinta", "radicalmente diferente para o país" de todos os candidatos. "Portugal está continuamente a ser ultrapassado por todos os países europeus. Um jovem licenciado tem de sair do país para ter perspetivas de futuro ou investir no PS. Um pequeno empresário ou comerciante, está esmagado por impostos e não consegue singrar na vida", rematou.
"O senhor vai colaborar com este Governo? Como exerce o magistério de influência se não concorda com ninguém?", perguntou Carlos Daniel, ao que Mayan Gonçalves respondeu que não será o presidente de um Governo, ao contrário daquilo que pensa que Rebelo de Sousa tem feito. "Aquele simulacro de democracia que foram as eleições regionais, em que PS e PSD combinaram tudo. O senhor é o candidato dos donos disto tudo", criticou Mayan Gonçalves após ser interpelado pelo PR sobre o veto de uma lei com o qual não estivesse de acordo. "Essa lei permitiu a eleição do presidente pelos autarcas, membros de assembleias e de câmaras. Acha que são todos marionetes do Governo?", lançou Rebelo de Sousa, sendo imediatamente atacado com os conceitos de regionalização e descentralização. "O problema de todos estes palavrões é que o Estado central nunca discute os poderes de que teria de abdicar", afirmou Mayan Gonçalves.
"Descentralização: sim ou não?", perguntou Rebelo de Sousa, lembrando que foi, durante 20 anos, autarca em Celorico de Basto. "Não foi Lisboa nem Porto, foi a autarquia mais pobre de Portugal. Para perceber o drama, é preciso ter estado lá, não é falar em abstrato", recordou o PR, obtendo como reação do candidato liberal a seguinte resposta: "Muito provavelmente, o senhor vai acabar o seu mandato como presidente do país mais pobre da Europa". Rebelo de Sousa não aceitou e argumentou que os portugueses podem aproveitar o Plano de Recuperação e Resiliência "para fazer saltos e mudanças estruturais fundamentais".
Consequentemente, Carlos Daniel evocou o desenvolvimento do país, declarando que Mayan Gonçalves defende um Estado menos gastador, sendo que investir em áreas como a da saúde tornou-se "absolutamente gritante". "Nós, os liberais, somos os únicos que não temos preconceitos acerca de quem é o dono do hospital. O que nós queremos é acesso efetivo aos cuidados de saúde", adiantou, sendo contrariado por Rebelo de Sousa que o confrontou com as posições tomadas pelos Governos norte-americano e britânico naquilo que diz respeito à gestão da pandemia. "Injetaram dinheiro na economia e em políticas sociais. A pobreza é, e vai ser nos próximos tempos, um problema. Como é que se resolve? Acha que a mera liberdade económica fará uma proeza?", perguntou o PR. "Gastámos 21 mil milhões de euros, desde 2008, na banca. Todos nós, portugueses, gastámos esse valor. Eu, enquanto liberal, nunca apoiei esse tipo de decisão", referiu Mayan Gonçalves, dizendo que "somos um país que já recebeu milhões de fundos europeus e que se endividou e que, mesmo com este dinheiro, aumentou continuamente o esforço fiscal dos contribuintes".
"Desde março, o Ministério da Saúde não usa os privados", continuou o antigo presidente do Conselho de Jurisdição do Iniciativa Liberal, sendo confrontado com as declarações que proferiu na entrevista que concedeu ao jornalista João Adelino Faria no passado dia 22 de dezembro. "É uma questão de ideologia da senhora ministra da saúde que matou gente em Portugal", explicou à época, afirmando que "a ministra da saúde é a maior responsável neste contexto", nas opções tomadas que "levaram a 10 mil mortes fora covid, em Portugal", porém, este domingo, Mayan Gonçalves disse sem rodeios "não ponha palavras na minha boca", a Carlos Daniel, quando o jornalista enfatizou a sua postura.
"A área política de onde vem o senhor candidato votou praticamente quase sempre contra o estado de emergência. Não deixa de ser uma ironia ouvir falar nos mortos covid e não-covid por parte de quem se opôs sempre. Qual seria o saldo de mortos sem este estado que permitiu a prevenção, as forças de segurança ou os ventiladores? É muito fácil avançar com o Estado liberal, aquela utopia, e eu digo que todos os países liberais que votaram contra o estado de emergência tiveram de o decretar", começou por concluir Rebelo de Sousa, lembrando que a nova variante do novo coronavírus, a estirpe oriunda do Reino Unido, já foi identificada no arquipélago da Madeira e em Portugal Continental.
"A pressão sobre os cuidados intensivos volta a ser preocupante. Há a preocupação de olhar para os números do Natal e do Ano Novo, tenho a sensação de que houve um laxismo nos últimos dias", evocou o PR, não esquecendo de mencionar que ouvirá todos os partidos para tomar uma decisão no próximo dia 12 de janeiro, sendo que Mayan Gonçalves disse que "o estado de emergência do Senhor Presidente é o de um país que enfrenta a destruição económica e social, que tem de se concentrar em supermercados" porque Rebelo de Sousa "passa um cheque em branco ao Governo e as pessoas têm de ir todas aos hipermercados ao mesmo tempo". De seguida, rematou que "o Senhor Presidente escolhe desconfiar dos portugueses. Eles mostraram que se preocupam desde cedo, exceto o Senhor Presidente que andou a partilhar Minis e bolas de berlim".