Num restaurante discreto, no coração da capital, Marine Le Pen, líder da extrema-direita francesa, reuniu-se à mesa do almoço com a cúpula do Chega. Ladeada por André Ventura e Diogo Pacheco Amorim, vice-presidente do partido, Le Pen entrou na campanha para as presidenciais portuguesas a esbanjar simpatia e sorrisos face às lisonjas dos presentes. Ventura não escondeu a satisfação: «Estou muito feliz». E diz: «É um excelente pontapé de saída para a campanha, onde queremos ‘esmagar’ o PS, ficar em segundo e disputar a segunda volta com Marcelo Rebelo de Sousa». Ao sabor do café, Le Pen conversou em exclusivo com o nosso jornal.
Porquê deslocar-se até Lisboa para apoiar André Ventura na corrida às presidenciais?
Penso que os portugueses têm no André Ventura um chefe de Estado. Tem, incontestavelmente a estrutura, a competência e o posicionamento fundamentais para defender a soberania e a identidade de Portugal, e colocar em prática condições de prosperidade no quadro de uma Europa das nações.
De uma forma geral, que opinião acha que os portugueses têm de si?
Não faço a mínima ideia [risos]. Não sei qual é o sentimento dos portugueses em relação a mim, mas é certo que os franceses de origem portuguesa e os portugueses que trabalham em França honram o seu país no estrangeiro – é uma emigração que honra Portugal, pois são pessoas trabalhadoras, respeitadoras e também muito simpáticas. Isso conta muito para as fileiras do Rassemblement National [RN, movimento que Le Pen lidera, sucessor da Frente Nacional]. Os portugueses sabem o que é emigrar para outro país, sabem como se devem comportar, e são duros em relação às novas formas de emigração, que consideram ser desrespeitosas para França. São, de certa forma, os advogados da França neste assunto. E encontramos vários portugueses em França ligados ao RN.
Mas, ao mesmo tempo, defende que as línguas estrangeiras – incluindo o português – não devem ser ensinadas às crianças do primeiro ciclo em França. Como explica esta posição?
Não temos nada contra a língua portuguesa. Tem de se parar com esse delírio… Consideramos, por princípio, que é na família que se deve transmitir a cultura e a língua do país de origem. E pode haver associações culturais que façam esse trabalho. Honestamente, não é a língua portuguesa que nos causa problemas, mas sim os cursos de árabe. Esses são realizados por pessoas que, muitas vezes, procuram na realidade meter em prática o famoso separatismo, contra o qual o Governo francês procura lutar. Como calcula não é o caso dos professores de português.
A presença de Marine Le Pen em Portugal confirma que existe um projeto europeu internacional – do qual fazem parte o seu partido, em França, a Liga Norte de Matteo Salvini, em Itália, e o Chega, em Portugal – com o objetivo de chegar ao poder? Sente-se a líder desta corrente político-ideológica que se quer impor na Europa?
De forma alguma. Não sou, de todo, a líder. Sou eminentemente respeitadora da soberania dos países. Não estou aqui para dizer, a uns ou a outros, o que devem fazer. Vim para congratular-me por ter encontrado no Chega um movimento que defende a civilização europeia. Temos um partido político europeu [Identidade e Democracia (ID)], do qual o Chega se tornou membro, o que me deixa muito satisfeita, onde, evidentemente, travamos combates comuns, como contra o pacto da imigração. Lutamos com o Vlaams Belang [Bélgica], a Liga Norte de Itália, o FPO [Áustria], os nossos amigos estónios [Partido Popular Conservador], e outros movimentos que têm em comum um grande princípio de defesa da civilização europeia. Mas ninguém é o chefe. O único ‘chefe’ é o povo.
Várias vezes afirmou: ‘Não somos nem de direita, nem de esquerda’. Assume-se antissistema, como André Ventura. Consegue definir o que é, afinal, ser-se antissistema no atual contexto político?
Eu não sei o que é antissistema. O que sei é que a clivagem em que acredito é entre os nacionalistas e globalistas. Os que defendem a nação, com todas as proteções, como as fronteiras, a soberania e a liberdade de recusar o que prejudica o povo e o país. E, do outro lado, temos os globalistas, os que já não acreditam nas nações, que pensam que os atributos das nações devem desaparecer: sem fronteiras, sem soberanias, governos tecnocratas que decidem por nós, que nos dizem o que fazer, sem ouvir o povo. Considero-me nacionalista. Muitas vezes, as pessoas do sistema são globalistas. Por isso é que somos antissistema: somos contra os globalistas, mas não contra a globalização.
O que tem a dizer a quem rotula o Rassemblement National e o Chega como ‘partidos de extrema-direita’, com mensagens racistas, xenófobas e, no caso de Marine Le Pen, islamofóbicas?
Não percebo essa formulação de extrema-direita que, aliás, ninguém procura explicar. As pessoas gritam: ‘Extrema-direita!’. E quando lhes perguntamos o que são, não respondem. Digo-lhes duas coisas: em primeiro lugar, quando ouço alguém dizer isso, sei que essas pessoas não têm argumentos, não conseguem defender ideias; em segundo, leiam os programas, as propostas. A democracia não é unicamente colocar um papel numa urna, mas defender ideias e saber o que se escolhe. E vão ver que os programas políticos dos nossos movimentos são razoáveis, coerentes, têm bom senso, são programas nos quais os eleitores se reveem.
Afirmou em entrevistas anteriores que é a ‘anti-Merkel’ da política europeia. Que projeto tem Marine Le Pen para a Europa?
Nunca disse que era a ‘antiMerkel’. O que disse é que Angela Merkel defende exclusivamente os interesses da Alemanha e não da Europa. Não estejamos equivocados quanto a isso. Não podemos criticar por defender a Alemanha, podemos, isso sim, censurar os nossos próprios governantes por não defenderem os nossos interesses. Não acreditamos que um país colonize as instituições europeias para poder defender os seus próprios interesses. E é claramente o que faz a Alemanha. Cada país deve ser respeitado: os seus interesses vitais, as suas esperanças de desenvolvimento económico, a sua cultura e civilização. Não é o que está a ser feito pela Comissão Europeia. Hoje em dia, a Comissão é praticamente alemã. O problema é exatamente esse domínio…
Como classifica a resposta da Europa face à pandemia? Caso fosse Presidente, teria sido diferente?
Teria fechado as fronteiras com os países de risco desde o início da pandemia. Depois teria controlado as fronteiras à medida que ia crescendo a contaminação em alguns países, o que não foi feito. Reclamei isso ao Parlamento francês desde janeiro de 2020. Depois, meteria em prática o procedimento sugerido pela OMS: testar, testar, testar, isolar e tratar. Teria reorientado as indústrias francesas para o fabrico do único meio de proteção que tínhamos à época contra a covid-19: as máscaras. Ficámos meses sem máscaras. Durante o mês e meio de confinamento teria aproveitado para testar todos os que trabalhavam, porque, na realidade, enquanto 99% da população estava fechada, o vírus continuava a circular no 1% das pessoas que saía às ruas. Teria, portanto, feito o inverso do que foi feito. França falhou e, atualmente, está a falhar redondamente na questão da vacinação.
A União Europeia respondeu à crise económica na sequência da pandemia com uma ‘bazuca’ de 750 mil milhões de euros. Se a Europa fosse liderada por Marine Le Pen e pelos partidos da ID o que seria diferente?
A França vai receber 40 mil milhões de euros da União Europeia, mas isso vai-nos custar 80 mil milhões. Não é interessante para nós. As taxas de juros estão extremamente baixas e, como tal, teria custado menos financiarmo-nos nos mercados financeiros.
A conversa terminou abruptamente. «Está na hora, está na hora!», ouviu-se. Marine Le Pen agradeceu com um sorriso afável e levantou-se de um salto, desaparecendo da sala em poucos segundos, por um caminho aberto pelo corpo de seguranças que a acompanhou desde França. O relógio na parede assinalava 15h40, dez minutos para lá da hora para que estava agendada a conferência de imprensa que decorreria, de seguida, num hotel junto ao Marquês de Pombal – e que viria a ficar marcada pelo protesto dos repórteres de imagem (vídeo e fotografia) de vários órgãos de comunicação social, que abandonaram o local em protesto pelas insuficientes condições sanitárias. Apenas André Ventura ficou para trás mais alguns minutos, visivelmente satisfeito. «A importância de ter o apoio de Marine Le Pen? É fantástico, é fantástico!», afirmou ao NASCER DO SOL o candidato à presidência. A agenda da visita de Le Pen a Portugal inclui, este domingo, uma visita ao Mosteiro dos Jerónimos, da parte da manhã – que não contou com André Ventura, que esteve reunido com o primeiro-ministro António Costa –, e um jantar, ao serão, em Sintra.