Muitos seres humanos, quando veem um grupo a bater num homem caído no chão, têm tendência para lhe ir dar mais um pontapé. É o que se passa hoje com Donald Trump. Não há cão nem gato que não lhe bata. E alguns dos seus amigos de ontem comportam-se hoje como ratos a fugir de um navio a naufragar, perante os aplausos da multidão.
Eu não sou feito dessa massa. Não gosto do penteado de Trump, não gosto da arrogância de Trump, acho que deve ser um homem insuportável. E repúdio com veemência a invasão do Capitólio. Mas todas as pessoas, até os homicidas, têm direito à sua defesa.
Comecemos pelo Capitólio. O que se passou foi inadmissível. Mas o que se passara pouco tempo antes com o movimento Black Lives Matter fora igualmente inadmissível – e poucos o condenaram. E Joe Biden foi, de certo modo, conivente com ele.
Pode mesmo dizer-se que, em termos de consequências, o Black Lives Matter até foi pior – porque o episódio do Capitólio se resumiu àquele local e o BLM estendeu-se a muitos países, globalizou-se, adquiriu tonalidades racistas, derrubou símbolos, provocou muitos mortos. Houve brancos espancados, humilhados, linchados nas ruas. E ainda hoje nos estádios de futebol em Inglaterra os jogadores se ajoelham em sinal de apoio a esse movimento – um movimento que, nesse país, derrubou a estátua de Churchill, um dos grandes símbolos da democracia. Pior era difícil!
E vou um pouco mais longe: alguém pode dizer, com seriedade, que Trump apelou à invasão do Capitólio? Alguém pode dizer – como ouvi dizer – que a invasão do Capitólio foi uma tentativa de ‘golpe de Estado’?
Trump convocou uma manifestação para junto do Capitólio na altura em que este estava a confirmar a vitória eleitoral de Biden – o que foi uma enorme imprudência e uma grande irresponsabilidade. É óbvio que isso podia dar origem a confrontos. Mas depois as coisas descontrolaram-se pela própria dinâmica das multidões, uns vândalos partiram uns vidros do edifício e entraram, outros seguiram-nos e aconteceu o que se sabe.
Mas as imagens televisivas mostram que não se tratou de um movimento organizado. Mais: se a intenção fosse uma ação violenta, os manifestantes teriam ido armados (pois todos os americanos têm armas). Ora isso não sucedeu. Caso contrário, teria havido um terrível banho de sangue.
Portanto, não só Trump não incitou a nenhuma invasão como não houve nenhuma tentativa de ‘golpe’. Houve um episódio de vandalismo que assumiu um valor simbólico enorme, dado o que o Capitólio representa, e que resultou de uma infantilidade de Trump.
Mas há outro aspeto que não pode ser esquecido. Por que estava ali aquela gente? Porque se sentia enganada pelos resultados eleitorais. Várias vezes tenho escrito que o que se passou nas eleições da América foi muito estranho. Trump ganhou claramente nas urnas e depois perdeu nos votos por correspondência. Ora, nunca tinha havido tantos votos por correspondência, nem nunca os votos por correspondência tinham ‘pendido’ tão esmagadoramente para o lado de um dos candidatos, a ponto de subverterem por completo o resultado das urnas. É pois natural que isso tenha suscitado dúvidas e reações. Se o voto presencial é inquestionável, o voto por correspondência permite todas as dúvidas. Se as coisas tivessem sido ao contrário, ainda hoje a esquerda estaria a queixar-se de Trump lhe ter roubado a vitória. É bom que compreendamos isto para que não cometamos o mesmo erro em Portugal.
Também não pode passar em claro a hipocrisia daqueles que condenam Trump por ‘pôr em causa as instituições’, ao levantar dúvidas sobre os resultados eleitorais. Então os democratas não andaram quatro anos a levantar dúvidas sobre os resultados eleitorais de 2016 alegando uma suposta ‘ingerência russa’? Uns podem levantar dúvidas e os outros não?
E que dizer dos media – a CNN, o Washington Post, o New York Times, que puseram de parte todas as regras do jornalismo e andaram quatro anos a fazer campanha ostensivamente contra Trump? E que dizer dos grandes ‘oligopólios’ da comunicação que suprimiram agora as contas de Trump?
Em que mundo estamos a entrar? Estamos a falar de uma pessoa que tinha 77 milhões de seguidores e que, depois de uma presidência muito contestada, massacrado pelos pelos jornais e pelas televisões, obteve 74 milhões de votos. Será isto democracia ou o fim da democracia?
Afirmaram os ditos gigantes da comunicação que era preciso silenciar Trump porque era ‘perigoso’. Mas não é essa, sempre, a justificação da censura? E não é verdade que Trump foi Presidente da República durante quatro anos e, que se saiba, não cometeu nenhuma ilegalidade? Não é verdade que respeitou as regras da democracia? Onde esteve o perigoso antidemocrata que, segundo muitos, ia implantar uma ditadura?
A questão é outra: as redes sociais tendem a normalizar o pensamento, a impor um pensamento único, e não admitem que ninguém o afronte. Como se sabe, não foram só as contas de Trump que foram suspensas, não foram só as mensagens de Trump que foram censuradas. Foram muitas outras. O Twitter, o Facebook e os outros são hoje os vigilantes do politicamente correto. Ora Trump, que tem imensos defeitos, teve uma grande virtude: enfrentou o politicamente correto. Desafiou os seus cânones. Isto é que ditou o seu silenciamento.