Bastou a Carlos Moedas ter decidido mudar de vida, trocando o certo pelo incerto, para agitar as ‘águas paradas’ da capital, onde a reeleição de Fernando Medina nas próximas autárquicas era vista como ‘favas contadas’, apesar de os lisboetas residentes terem fartas razões de queixa.
Medina viveu à sombra de António Costa no primeiro mandato, e no segundo, vencedor sem maioria, andou ‘a reboque’ das esquerdas radicais, e do roteiro de Manuel Salgado, o todo-poderoso arquiteto ex-vereador, com o pelouro do Urbanismo e Planeamento Estratégico, cujo contributo para a descaracterização da cidade não é uma figura de estilo.
Na ilusória maré cheia do turismo, quando este afluía a um ritmo que parecia imparável, os novos hotéis e alojamentos diversos multiplicaram-se como cogumelos, sacrificando, por vezes, edifícios históricos e patrimoniais, cuja vocação jamais deveria ser a de oferecer quartos a retalho.
Tão sôfrega como deslumbrada, a dupla Medina-Salgado, acolitada por Sá Fernandes (oriundo das hostes do BE e instalado nos Paços do Concelho, desde que se opôs ao túnel do Marquês, agravando substancialmente os seus custos), entreteve-se a transformar Lisboa numa Disneylândia para turistas, esquecendo quem a habita ou gostaria de habitar.
Intensificou-se, por isso, durante a gestão socialista da cidade, o êxodo para as periferias, em particular, de casais jovens, sem condições para suportar as rendas ou os preços proibitivos da compra de habitação, aos quais se juntou a fuga de quem não suportava o caos urbano.
Em poucos anos e a pretexto da fantasia de uma ‘cidade verde’, estrangulou-se a circulação automóvel e enxameou-se a cidade de ciclovias e pilaretes até ao absurdo. O contraste é, amiúde, chocante, com corredores vazios de ciclistas, ‘plantados’ em artérias congestionadas e de escoamento lento.
Convirá, por isso, que Carlos Moedas – homem viajado e com experiência de vida em diferentes cidades estrangeiras – faça um levantamento prévio das asneiras cometidas neste mandato de Medina. E não lhe faltará. Para tanto, será suficiente percorrer a capital, e ‘respirá-la’, não apenas na frente ribeirinha ou noutros itinerários turísticos, mas abordando as suas ‘ilhas’ de desmazelo e de atrofia no interior.
Muito se escreveu já sobre o facto de Moedas preferir o desafio político ao conforto da administração da Gulbenkian, sabendo de antemão que as esquerdas estão bem entrincheiradas num município servido por mais de 10 mil funcionários, além de um batalhão de assessores nos gabinetes.
Muito se escreveu, também, sobre os desígnios de Moedas, supostamente apostado em eleger-se no Município como preâmbulo para outros voos, desde logo no PSD, carente de uma liderança que restitua ao partido a ambição de substituir o poder socialista. Com essa suspeita, os ‘patrulheiros’ avençados já estão no terreno a vasculhar o seu passado, para lhe descobrir uma fragilidade, uma incoerência ou um discurso contraditório. O costume.
Feito o escrutínio, é natural que as esquerdas fiquem apreensivas com o seu currículo, tão relevante na formação académica, como diversificado e convincente na atividade profissional, repartida entre o setor público e privado.
A simplicidade desarmante de Carlos Moedas – que escolheu a sua antiga escola, o Técnico, para apresentar publicamente a candidatura – contrasta com a arrogância habitual em Medina, que não descansou enquanto não encontrou um ‘poleiro’ mediático, arvorado em ‘comentador’ residente da TVI.
Doravante, as ‘tropas’ alinhadas ao lado de Medina vão procurar explorar, como já se nota, as rivalidades no PSD, à medida que se agravam os medos de que Moedas seja uma séria alternativa ao domínio socialista do Município, vigente há 14 anos. E que possa federar a direita para desalojar depois o governo, ancorado também nas esquerdas radicais.
Por exceção, Rui Rio surpreendeu com uma escolha acertada, e soube resguardar o ‘trunfo’ enquanto se multiplicavam os rumores.
Depois do desastre que foi Teresa Leal Coelho – uma infelicidade de Pedro Passos Coelho –, há que reconhecer o mérito ao convite de Rio. Os dados estão lançados. A capital não pode continuar a ser o ‘asilo’ de boys e girls sem porto de abrigo. Precisa de mudar. É tempo de contar com quem ache imperativo governar a cidade. E, pelo menos por agora, para Moedas «as cidades são, muitas vezes, maiores do que as nações». Uma frase virtuosa. Anote-se para que conste…
Nota em rodapé – O centenário do PCP foi o pretexto para plantar bandeiras do partido, desde o Rossio ao Marquês de Pombal, travestido de ‘praça vermelha’. Uma vergonha, em cumplicidade com o Município, para celebrar a efeméride de quem professa um ideal totalitário, ao contrário do que pensam alguns ‘românticos’ úteis.